domingo, 24 de março de 2013

Planejamento de Carreira


Astúcia e ousadia não são características comuns de arquitetos quando o assunto é planejamento e organização da carreira. Embora esta dificuldade não seja exclusividade da profissão, suspeito que a diversidade de opções que a atividade propicia seja o maior problema. Assim, não pretendo aqui apresentar um manual de como proceder na carreira, pretendo somente relatar impressões pessoais e situações comuns que frequentemente podem ser observadas em colegas e estudantes acerca desta questão.
Poucas coisas são tão incômodas neste mundo como planejar uma carreira profissional. Para que o plano seja bom de verdade, é necessário considerar o maior número de incertezas e as possibilidades de algo sair errado. Desta forma, quando se fala em planejamento de carreira, o sonho da infância é o que permeia a maioria dos aspirantes a alguma profissão e, portanto, muitos preferem acreditar que algo inesperado e positivo aconteça na sua trajetória profissional que o alavanque para o sucesso. Nem sempre estes acontecimentos estão diretamente vinculados a ações intencionais e, podem inclusive serem obras do acaso. Uma aprovação em um concurso público ou em um processo seletivo de uma grande empresa, ou até a sorte de alguém endinheirado de seu círculo social se empolgar com seu talento e resolver investir em você. Esta última é uma possibilidade muito remota, dada à falta de endinheirados em nosso meio, principalmente, aqueles dispostos a investir em nós.


Então, como planejar algo entremeado de tantas variáveis quanto uma carreira profissional? Em meio ao turbilhão de informações, emoções e relacionamentos as quais estamos diariamente sujeitos dentro de um curso superior, nos questionamos diariamente se estamos de fato no caminho certo. Esta pergunta nos persegue mesmo após anos de atuação.
Assim, como qualquer projeto de arquitetura, o planejamento da carreira serve para minimizar as incertezas inerentes de um determinado processo e não excluí-las definitivamente. Até com o melhor e mais detalhado projeto, jamais devemos nos iludir que teremos controle absoluto de todas as variáveis envolvidas, mas certamente, é possível fazer previsões precisas e determinar como as ações se reverterão em benefícios.
A participação em cursos e eventos ligados a sua área de interesse podem até satisfazer momentaneamente, mas o que realmente o mantêm ativo e atualizado é a combinação entre sua pró atividade com sua rede de relacionamentos. Aprender a detectar necessidades é talvez o passo mais importante para se evoluir em uma profissão, principalmente quando se trata de assuntos relativos à sua identidade pessoal, quando algo de fato o toca sensivelmente. Desta forma, a energia produtiva pode ser direcionada para aquilo que estamos realmente dispostos, comprometidos e abertos a resolver.
O planejamento da carreira, contudo, está relacionado aos aspectos financeiro, familiar, social e cultural, de modo que em todas as áreas os objetivos devem ser traçados a priori e as ações devem ser tomadas nos períodos previstos inicialmente, mesmo que para isto seja necessário abdicar de algo. Abrir mão de alguns desejos na hora certa é sinal de maturidade e respeito com o destino. Repetir diariamente em frente ao espelho como um mantra, “Eu sou o máximo”,“Eu posso tudo”, “Yes, we can” como muitos manuais de auto ajuda recomendam, fará um bem danado para o ego, mas não vai ajudar efetivamente no seu crescimento. Como diz um grande amigo meu: “entre o fracasso e o sucesso existe apenas mais uma tentativa”.
Em parte, o incômodo deste assunto reside em nossa inabilidade para detectar gostos pessoais ou lidar com imprevistos. Nem sempre temos a noção exata de quanto tempo e recursos estamos dispostos a investir em um plano, de forma que nossas limitações físicas e emocionais, nossas ansiedades e desejos são muito difíceis de serem detectadas, uma vez que estão constantemente em mutação. Embora todos os percalços e mudanças acidentais de rumo sejam compreensíveis do ponto de vista pessoal, nosso maior empecilho é sem dúvida o medo da frustração, o qual é muito semelhante ao medo do papel em branco ao iniciar algum projeto. Este medo é persistente, apenas aprendemos a lidar com ele de forma mais amena com o passar do tempo. A sensibilidade de absorver, aceitar e se adaptar as mudanças naturais em relação às situações que não temos domínio, como as oscilações do mercado ou imprevistos pessoais, por exemplo, é louvável, mas aceitar que nossos próprios medos e angústias dominem nossos projetos é inadmissível.

Érico Masiero, 24 Março 2013


domingo, 17 de março de 2013

Viajar

Diariamente somos bombardeados de informações via web e nem sempre refletimos sobre elas. No caso de arquitetura, nenhum web site consegue ainda substituir nossa vivência pelo espaço real, por mais detalhado que seja. Tenho percebido, inclusive, a redução pelo interesse do desenho livre e de observação nas faculdades de arquitetura. Pode parecer piegas ou coisa de velho, mas a melhor maneira de se conhecer e admirar uma obra de arquitetura é desenhando-a, do modo tradicional mesmo, com muita calma. 



O blog urban sketchers é uma ótima iniciativa para a troca de experiência, não apenas de croquis, mas também de sensações e percepções sobre o nosso habitat. Segundo seus idealizadores, "a intenção é conectar pessoas de todo o Brasil que façam desenhos retratando o local onde vivem e viajam". Como estes...

  

 

 

Para conhecer:




Marcos Acayaba x Álvaro Leite Siza


Termos como “integração com a natureza”, “minimização de impactos visuais na paisagem”, “apropriação da topografia”, “inserção do objeto no contexto”, “jogo de volumes” e demais pérolas e jargões são utilizados indiscriminadamente na crítica da arquitetura brasileira e principalmente em aulas de projeto quando o professor não tem o que dizer. Por incrível que possa parecer, tais expressões são até usadas para descrever obras completamente distintas, como as duas aqui postadas.

  



Ambas, são semelhantes apenas pelas condições de topografia. A primeira projetada por Marcos Acayaba e construída no Guarujá e a segunda por Álvaro Leite Siza, filho do Álvaro Siza, construída em Portugal. 

Os projetos são, sem sombra de dúvida, fabulosos. Mas fica aqui o meu protesto contra a superficialidade que a crítica “especializada” tem abordado tais situações, ou seja, as mesmas expressões servem para descrever qualquer obra.
Imagens extraídas de:

http://www.marcosacayaba.arq.br/lista.projeto.chain?id=26

http://www.casatolo.com/home.php

Arquitetura Tacanha


Vários arquitetos internacionais têm trabalhado no Brasil e contribuído para enriquecer nosso repertório. Um que merece destaque é o portuga Álvaro Siza com o Museu Iberê Camargo em Porto Alegre.



Já comentei recentemente a respeito do interesse de arquitetos internacionais em baixar por aqui. A empolgação nacional com a copa do mundo e olimpíadas juntas com crise europeia dá nisso! Inclusive a grife de museus Guggenheim continua manifestando seu interesse pelo Brasil.


Outros dois grandes arquitetos que tem desenvolvido trabalhos recentemente no Brasil são o francês Christian de Portamparc com a Cidade da Música e o Espanhol Santiago Calatrava com o Museu do Amanhã, lançado recentemente, ambos no Rio de Janeiro, para a inveja dos paulistanos.

           

O primeiro, está com a obra paralisada há mais de um ano por suspeita de irregularidades durante a obra. Continua sob investigação do Tribunal de Contas da União. O segundo teve o lançamento da obra a semana passada no Rio, espero que não sirva de pretexto para as mesmas falcatruas políticas, tão conhecidas por nós. 


Quanto aos projetos em si, não arrisco ainda emitir muitas opiniões, mas são sem dúvida, belíssimos!


Tenho minhas dúvidas se estes projetos seriam aprovados, caso fossem apresentados em bancas de TGI no Brasil. Não pela qualidade dos projetos mas sim pela nossa cultura arquitetônica altamente conservadora e ainda tacanha.


Imagens extraídas de:




Valorização



"Os três fatores mais importantes para o crescimento de um país ao longo prazo são, educação, educação e educação." Henrique Meirelles.

Enquanto governos, economistas e empresários discutem taxas de juros, sistemas de financiamento, valorização do dólar, arrecadação de impostos e subsídios para o setor produtivo, nossa educação definha com meros 5% de investimento do PIB.

O sistema educacional e a consequente produção de arquitetura no país não são exceções. Não adianta se iludir que estamos produzindo grandes revoluções tecnológicas ou arquitetura de qualidade internacional. Os modelos desenvolvidos durante os anos dourados das décadas de 50 a 70, em que vimos muitos dos expoentes se estabelecerem, ainda não foram superados e continuam representando paradigmas consideráveis nas escolas de arquitetura brasileiras. Planos ortogonais, linhas retas e racionalidade do espaço ainda dominam nosso repertório de projeto, basta ver as premiações do IAB e os pareceres dos jurados de concursos nacionais.

Concordo que seja realmente importante estudarmos e valorizarmos a história do país para que se mantenham os referenciais modernistas, mas o fato é que, sem investimentos maciços em educação em níveis fundamentais e superiores, não produziremos mentes e soluções suficientemente contundentes para a superação da atual estagnação produtiva e cultural do país. Continuaremos a reproduzir modelos produtivos baseado no auge da história econômica do país, ou seja, aqueles mesmos modelos engambelados da época do tal “milagre econômico” da década de 70 ou dos “50 anos em 5” de um sujeito chamado Juscelino Kubistchek.

Os novos problemas decorrentes das caóticas cidades brasileiras pouco entram nas agendas dos cursos de arquitetura e urbanismo. Não há luz no final do túnel se não investirmos maciçamente em soluções criativas, técnicas e coerentes com nossa época ou permaneceremos fechados para o futuro.




A lista dos “10 arquitetos mais famosos do Brasil”

A lista dos “10 arquitetos mais famosos do Brasil” é uma provocação que levanta algumas questões recorrentes na formação dos arquitetos. Ouço frequentemente de alunos e professores muitas opiniões em relação à formação ideal do arquiteto. Uma ideia que eu gostaria de abordar e bastante me preocupa é:

“O curso de arquitetura deve ser tão abrangente a ponto de capacitar as pessoas a atuarem em diversas áreas do conhecimento, inclusive as ligadas às artes”. Discordo, definitivamente! Cuidado para não ser seduzido pela ideia que arquitetura pode oferecer sempre satisfação existencial.


Não disponho do número exato, mas é certo que a maioria dos formandos não chega a exercer plenamente a atividade, desistem no início ou nem tentam se estabelecer, principalmente na área de projetos. Este fato não está absolutamente nada relacionado às questões de formação acadêmica e sim ao comportamento pessoal.


Assim como em qualquer atividade profissional é necessário ter uma boa dose de criatividade, outra de interesse, uma pitada de talento e um gigantesco esforço. Repare que o fator sorte não está nesta lista.

Arte e boa arquitetura não nascem do acaso e digo frequentemente que arquitetos adoram fazer o serviço pela metade e assim também são remunerados. Reitero ainda que a queixa com os baixos salários decorre da falta de envolvimento, do interesse e principalmente do baixo comprometimento dos arquitetos em geral com o processo completo da viabilização de uma obra, o qual exige extrema responsabilidade. Não quero desvalorizar o ato criativo, nem a busca por um êxtase estético, no entanto, estes aspectos são apenas partes de um processo que nem sempre é prazeroso. É uma pena que não temos tempo nem oportunidade de acompanhar durante o curso um projeto real desde a idealização por parte de leigos, passando pelo planejamento, concepção e execução até o uso definitivo. Todas estas etapas são fascinantes, mas nem todos estão preparados a aceitar as amarguras inerentes ao processo. Isso, dificilmente poderá ser ensinado em algum curso, mas certamente poderá ser aprendido, se não forem desencorajados a desistir precocemente.


Quanto a lista dos “10 arquitetos mais famosos do Brasil" estou certo que o sucesso alcançado por eles não tenha sido decorrente do fato de terem estudado arquitetura, mas sim do interesse, da aptidão e do esforço de cada um em atingir seus objetivos.



Para conhecer a lista:


domingo, 10 de março de 2013

Oportunidades

Muito se comenta sobre a imensa gama de conhecimentos necessária para atuar efetivamente, e muito se lamenta também da falta de acesso às oportunidades no mercado de trabalho de arquitetura e urbanismo. Os pessimistas adoram dizer que a profissão está “saturada” e existem mais profissionais atuando nestas funções do que o “mercado pode absorver” ou outras manifestações parecidas. Desculpem os pessimistas, mas eu acredito justamente no contrário, muitas áreas ainda permanecem inexploradas.


A profissão está muito carente de profissionais capacitados que saibam conduzir a diversidade de conflitos e de interesses característicos desta atividade. Haja vista, muitas prefeituras de cidades do interior do Brasil sequer possuem um engenheiro no quadro permanente de funcionários públicos, quiçá arquitetos. Após anos em vigor, poucos profissionais dominam com desenvoltura o Estatuto da Cidade, ou sabem os princípios que regem o plano diretor de sua própria cidade, e pasmem, muitos fazem questão de ignorá-lo por acreditar que estes mecanismos regulatórios travam o desenvolvimento urbano. Órgãos públicos em geral nem sempre contam com profissionais no seu quadro que saibam atrair verbas dos programas ministeriais, de agências de fomento ou de bancos públicos e privados como Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) ou Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ou de qualquer outra instância federal ou internacional. Há carência, inclusive de pessoas que compreendam, gerenciem e fiscalizem os processos de licitação. Acho que já está claro que não basta ser bom projetista, conhecer processos construtivos e dominar softwares como ninguém, é necessário acima de tudo conhecer os processos de tomada de decisão, as fontes de recursos e os mecanismos regulatórios. Saber lidar com pessoas é fundamental.

Em meio à imensa gama de atuação, ao gigantesco território brasileiro e ao mar de precariedade de infraestrutura que o país enfrenta atualmente, há ainda aqueles que duvidam das oportunidades de trabalho de um arquiteto. No entanto, muitos profissionais ainda preferem brigar pelo mesmo pedaço do bolo e se lamentar que o mercado está muito concorrido e desleal.

Enfim, profissionais bem preparados conseguem movimentar o seu próprio meio, transformar ideias em oportunidades e consequentemente atrair recursos e abrir novas possibilidades de trabalhos direta e indiretamente.



A saída

Henrique Meirelles, ex presidente do Banco Central e homem forte da economia brasileira declarou: “Os três fatores mais importantes para o crescimento de um país no longo prazo são, educação, educação e educação.” É muito satisfatório ouvir isso de uma pessoa extremamente influente na economia do país, chego até a pensar que há uma luz no final do túnel e não é o trem vindo na direção contrária.


Enquanto governos, economistas e empresários discutem taxas de juros, sistemas de financiamento, arrecadação de impostos e subsídios para o setor produtivo, nossa educação definha com meros 5% de investimento do PIB.

O sistema educacional e a consequente produção de arquitetura no país não são exceções. Não adianta se iludir que estamos produzindo grandes revoluções tecnológicas ou arquitetura de qualidade internacional. Os modelos desenvolvidos durante os anos dourados das décadas de 50 a 70, em que vimos muitos dos expoentes se estabelecerem, ainda não foram superados e continuam representando paradigmas consideráveis nas escolas de arquitetura brasileiras. Planos ortogonais, linhas retas e racionalidade do espaço ainda dominam nosso repertório de projeto, basta ver as premiações do IAB e os pareceres dos jurados de concursos nacionais.

Concordo que seja realmente importante estudarmos e valorizarmos a história do país para que se mantenham os referenciais modernistas, mas o fato é que, sem investimentos maciços em educação em níveis fundamentais e superiores, não produziremos mentes e soluções suficientemente contundentes para a superação da atual estagnação produtiva e cultural do país. Continuaremos a reproduzir modelos produtivos baseado no auge da história econômica do país, ou seja, aqueles mesmos modelos engambelados da época do tal “milagre econômico” da década de 70 ou dos “50 anos em 5” de um sujeito chamado Juscelino Kubistchek.

Os novos problemas decorrentes das caóticas cidades brasileiras pouco entram nas agendas dos cursos de arquitetura e urbanismo. Não há luz no final do túnel se não investirmos maciçamente em soluções criativas, técnicas e coerentes com nossa época ou permaneceremos fechados para o futuro.

Direito e Privilégio

O mais recente lançamento imobiliário de uma cidade do interior do Estado de São Paulo  utiliza de maneira muito sagaz o seguinte Slogan:
“Privilégio é ter segurança e conforto para toda a família”
“Privilégio é ter lazer completo e sustentável”
“Viva este privilégio”

Antes de iniciar este texto gostaria de ressaltar todo o meu respeito e admiração pelos empreendedores responsáveis por este projeto e pelos publicitários que tão sensivelmente captaram desejos coletivos. Gostaria apenas de pedir a permissão de utilizar este exemplo de empreendimento para fazer algumas reflexões a respeito da força de nossos desejos e os caminhos do desenvolvimento urbano.  Não pretendo de forma alguma julgar as intenções dos profissionais envolvidos e considero que estão no direito democrático de acumular riquezas dentro da legalidade.

Dito isto, gostaria de fazer algumas considerações sobre direito e privilégio. Ou seja, entre as diversas definições dos dicionários, privilégio é apresentado como vantagens ou imunidades especiais gozadas por uma ou mais pessoas, além dos direitos comuns dos outros. E, “direito”, é definido como aquilo que é justo. Em alguns dicionários, os dois termos são até tratados como sinônimos.

As qualidades vendidas pelo empreendimento em questão são inegáveis de forma que a aquisição de um imóvel neste empreendimento se torna objeto do desejo com muita facilidade. É certamente muito gratificante quando conquistamos estes privilégios, como segurança, lazer e sustentabilidade.  Adoramos os privilégios! Adoramos quando temos o privilégio de ter o prefeito de sua cidade ou a Dilma entre os nossos contatos no Facebook, ou quando somos tratados simplesmente com dignidade. Adoramos educar nossos filhos em escolas particulares, adoramos o privilégio de ser atendido no hospital particular devido ao nosso plano de saúde diferenciado, ou, por que não, adoramos ter um segurança e um motorista particular a nossa disposição.

Mas aí eu lhe pergunto: Segurança, lazer, saúde, educação, transporte e acesso aos nossos governantes não deveriam estar entre os nossos direitos? Por que batalhamos tanto para conquistar privilégios e somos apáticos quando precisamos obter direitos?

Em tempos de extrema violência, desmoralização total das instituições públicas de segurança e descrença com as políticas públicas, empreendedores assumem funções que o estado tem sido incapaz de oferecer. Compramos como privilégios individuais aquilo que já deveríamos ter conquistado como direito coletivo e ainda nos orgulhamos de ter segurança, conforto, lazer e sustentabilidade particular.

Érico Masiero, Novembro 2012

BIM


A manchete da edição da Folha de São Paulo de 05/01/2013 nos diz um pouco mais sobre a situação da educação em nosso estado: “O estudante da nona série do ensino fundamental (alunos com 14 anos) possui conhecimento equivalente ao que se espera para um da quinta série (de 10 anos)”. Pelo terceiro ano consecutivo, o nível de conhecimento dos alunos em matemática tem diminuído embora o acesso a informações tenha aumentado espantosamente nos últimos anos.


Os avanços da informática e as facilidades criadas são inegáveis, no entanto, esta notícia nos faz refletir se o acesso à informação necessariamente produz conhecimento e contribui efetivamente para os processos de educação. Será que uma das razões para a falência do nosso sistema educacional está em menosprezar os avanços da tecnologia e dos acontecimentos do nosso mundo? Será mesmo que a educação está afastada da realidade?

A diferença básica entre informação e conhecimento é que o segundo carrega uma componente crítica, ou seja, a informação precisa ser discutida e principalmente vivenciada para que se torne conhecimento. É neste processo que a informática em nada pode contribuir, pois o acúmulo de experiência e a formação crítica se tratam de atos exclusivamente humano.

A confusão entre o conceito de informação e conhecimento é a mesma entre desenho e projeto. Desenho é a informação metodicamente organizada, sem crítica. Projeto é desenho com conhecimento.

A poderosa ferramenta BIM não é simplesmente um sistema de elaboração de desenhos, e sim, uma plataforma de organização de informações referentes a um projeto, aos seus custos, aos materiais e serviços a serem empregados em uma obra. No entanto, nenhum sistema substitui a experiência humana. Nenhum sistema cria atalhos para o aprendizado, pois o conhecimento se desenvolve na aplicação de nossa experiência técnica e no relacionamento humano diário. Nenhum sistema propõe a melhor solução de projeto para um edifício, por exemplo, só contribuí para prever problemas decorrentes de nossas próprias ações.

Informação é sempre bom, organizada, melhor ainda, mas sem discernimento, não ajuda muito. Não estamos sabendo lidar com o excesso de informação, queremos livros cada vez mais finos, computadores e calculadoras cada vez mais velozes, mas não queremos aprender português e matemática. Não queremos porque são matérias difíceis. 

Almejamos nos tornar médicos operando em bonecos, engenheiros e arquitetos em ambientes virtuais, sem passar pelos doloridos processos de operar ou construir para seres humanos. 

Érico Masiero, 7 Janeiro 2013

Madrugadas em claro

Não sei exatamente como e porque surgiu o hábito de passar madrugadas em claro para fazer os projetos das disciplinas do curso de arquitetura, mas desconfio.


Estudantes, profissionais e até professores de arquitetura expressam frequentemente sentimentos de lamento e orgulho ao mesmo tempo quando entregam uma tarefa de última hora após árduas madrugadas em claro. É como se toda energia produtiva precisasse se concentrar em apenas algumas horas do dia.

Posso dizer com muito orgulho justamente o contrário. Nunca perdi uma madrugada em cima de algum trabalho.  Costumava passar longas madrugadas em claro me divertindo com meus amigos ou com minha namorada. Mais recentemente, com meu filho, devido a alguma enfermidade ou após pesadelos aterrorizantes, comuns na idade dele.

Certa vez uma arquiteta, funcionária de uma grande incorporadora me confessou que achava um absurdo um profissional fazer uma hora de almoço durante o dia. Concordei prontamente, mas só fui me dar conta do absurdo quando eu disse que se tratava de pouco tempo e ela achava tempo demais. Ela até se orgulhava de me enviar mensagens de trabalho às três da manhã, ser considerada workaholic pelos colegas e de atingir metas desumanas impostas pelo patrão. Ela só não sabia que sofria de assédio moral, prática, aliás, muito comum nos escritórios de arquitetura. Raramente são denunciadas.

Até já ouvi dizer, inclusive de professores de arquitetura que, o uso de álcool ou drogas pode potencializar seu lado criativo e aumentar sua produtividade. O ato de projetar é uma tarefa essencialmente intelectual que exige muita atenção e total concentração, portanto, qualquer coisa que atrapalhe o processo de desenvolvimento como, sono, fome, sede, excitação excessiva ou desequilíbrio emocional deve ser combatido. Qualquer coisa que altere seu estado psíquico natural pode resultar em trabalhos imprecisos e pouco sinceros.

Quando precisamos recorrer a tempo extra para finalizar algum trabalho é sinal que algo foi mal planejado ou não nos preparamos devidamente para desempenhar tal tarefa. Trabalho não é imprevisto e tempo livre para o descanso é direito de qualquer trabalhador. Mas isto depende de nossa atitude perante as forças do mercado.

A questão das madrugadas em claro é permeada pela nossa própria dificuldade de encarar o trabalho de maneira saudável. Direitos trabalhistas como, férias, fundo de garantia, plano de saúde, décimo terceiro, estão ainda distantes de muitas empresas de arquitetura. Muitos escritórios declaram os funcionários como “associados”, no entanto não repartem os lucros nem a autoria dos trabalhos desenvolvidos. Esta precariedade do mercado de trabalho ocorre pelo fato de não darmos a devida importância na formação do arquiteto à disciplina, à organização, a legislação e ao planejamento, apesar destes itens fazerem parte da grade curricular.

O descompasso entre as exigências profissionais e os direitos reside essencialmente na nossa falta comprometimento com qualidade de vida que tanto apregoamos.

Érico Masiero, Fevereiro 2013

PUTZ!


Putz! Ficou deste tamanho? Pensou o projetista ao fazer a primeira visita na obra e perceber o tamanho real do edifício que foi concebido na pequena tela de seu notebook.



Ficou impressionado no primeiro contato e, certamente não fazia a menor ideia daquilo que o aguardava. Após alguns anos, o mesmo projetista volta ao local e percebe que os espaços que idealizou com tanto cuidado foram friamente deturpados por usuários inescrupulosos e, mesmo assim, eles estavam mais felizes do que havia imaginado e irritantemente adaptados às novas condições de vida. Ficou revoltado com tudo aquilo e num repente de ciúme adolescente quis cancelar o Registro de Responsabilidade Técnica do projeto e acabou abandonando a profissão pouco tempo depois por se sentir incompreendido.

O espanto e a surpresa fazem parte do cotidiano do arquiteto e nem sempre temos controle total sobre nossas ideias. O domínio da escala é uma das questões mais complicadas na vida de um projetista, desde os primeiros dias de estudo. Muitas vezes, não nos damos conta do tamanho da responsabilidade de construir e intervir na vida das pessoas diretamente. Quando digo “domínio da escala” não se trata apenas de dimensão espacial, mas de tudo que se relaciona com a dimensão do ser humano, inclusive, com recursos financeiros e ambientais. Intervimos diretamente nos vínculos afetivos ao propor alterações em espaços que testemunharam histórias de amor ou conflitos que não participamos. Difícil mensurar valor daquilo que desconhecemos.

Atuamos com muitas incertezas ao longo do processo de concepção espacial e sempre temos domínio parcial dos assuntos que iremos tratar. Por isso é fundamental recorrermos a bons profissionais. Flertamos com o erro diversas vezes e, portanto, somos invariavelmente surpreendidos pelo poder de nossas próprias decisões.

Quanto ao nosso pobre herói do início do texto, cometeu três erros básicos. O primeiro foi se apaixonar por uma ideia, se iludir quanto sua genialidade e pretender que a “ideia” seria intocada. O segundo, trabalhar em prol de sua própria vaidade, não contava com a possibilidade de mudanças naturais na vida das pessoas independentemente do que foi planejado. O terceiro, putz! Foi abandonar a carreira precocemente.

Érico Masiero, Janeiro 2013

sexta-feira, 8 de março de 2013

Habitação de interesse social?

Tudo começou quando fomos convidados a desenvolver um projeto de um conjunto residencial de interesse social. Aparentemente simples do ponto de vista técnico e do programa de necessidade proposto. Nada parecia muito diferente do que já havíamos feito, embora, os acontecimentos que envolvem a prática da arquitetura sempre surpreendem. Principalmente, pela possibilidade de estar em contato diretamente com o melhor e também com o pior de cada participante envolvido. 

Fizemos a primeira versão do projeto da melhor maneira possível, e com o maior comprometimento possível em relação aos mais tradicionais tratados Vitruvianos de arquitetura, juro que levamos ao pé da letra o Firmitas, a Utilitas e a Venustas. Os blocos de apartamentos foram cuidadosamente dispostos no terreno para possibilitar a criação de uma bela área externa de integração com jardins e áreas de convivência, nada que onerasse a obra no geral. Inclusive a redução dos volumes de cortes e aterros até minimizariam a altura das rampas e consequentemente os custos. 

Nós, e os diretores da construtora, na primeira reunião, até ficamos animados com um projeto que reunia simplicidade, baixo custo e relativa beleza. Fomos para casa com a satisfação do dever cumprido. Só não contávamos com um detalhe. O investidor ainda não tinha avaliado a proposta.

Na segunda reunião, um sorriso dúbio se instalou na expressão do gerente do banco. A questão era: O projeto estava excessivamente bonito e, por isso, não era bom o suficiente, apesar de atender a legislação, gerar o lucro esperado para o empreendedor que inclusive arca com a responsabilidade legal sobre a obra.

Nossa ingenuidade estava na ilusão que o valor final de comercialização das unidades habitacionais seria regido pela qualidade do projeto, devido aos materiais utilizados, pela tecnologia inovadora ou pelo amplo conhecimento dos encarregados pela obra. O investidor sabe muito bem que o valor do imóvel é regido somente pelo desejo que desperta no comprador, simples assim! Portanto, com uma bela implantação e uma tecnologia construtiva eficiente, as unidades habitacionais despertariam a cobiça de compradores que estariam dispostos a investir acima do valor de mercado para um produto similar na cidade. Ou seja, o valor de comercialização de cada unidade certamente estaria acima do limite determinado pelo plano de financiamento disponibilizado pelo banco. O simples fato de o empreendimento atender minimamente as recomendações técnicas dos órgãos responsáveis, como tamanho dos ambientes, número de banheiros, acessibilidade e áreas verdes, já o caracterizaria como de qualidade superior no mercado. Esta é a lei da oferta e procura. Desta forma, o empreendimento deixaria de atender o público de baixa renda, ao qual estava inicialmente destinado.

Este episódio, apesar de corriqueiro no âmbito do mercado imobiliário, nos diz que habitação é problema de política econômica e social e não técnico. Não adianta se iludir com as inovações tecnológicas da construção civil ou imaginar que o ofício da arquitetura pode oferecer produtos diferenciados e de qualidade para qualquer pessoa. Pior ainda é pensar que o desenvolvimento de uma tecnologia construtiva inovadora mais eficiente, com menor desperdício e maior rapidez abre a possibilidade de tornar habitações mais acessíveis aos menos favorecidos economicamente.

Estamos inseridos até o pescoço em um sistema de produção e consumo que nem sempre temos a noção de suas incoerências. Enquanto for permitido que bancos explorem livremente o lucro em empreendimentos imobiliários para o setor de baixa renda, as exigências por qualidade espacial dos empreendimentos permanecerá baixa. Principalmente porque bancos, sejam públicos ou privados, não entendem nada de habitação e lucro para eles, nunca é o bastante. 

O problema do déficit habitacional do Brasil passa por inúmeras questões essenciais, mas certamente as questões técnicas estão entre as menos importantes. Acho que Habitação de Interesse Social deveria se chamar Habitação de Interesse para os Bancos, HIB ao invés de HIS.

Érico Masiero 02 Março 2013