terça-feira, 30 de abril de 2013

Quem define o projeto?


Certa vez, em uma conversa informal com amigos, várias questões surgiram quanto ao que os arquitetos fazem atualmente: A arquitetura produz o que as pessoas realmente precisam ou o que ela imagina o que as pessoas necessitam e depois criam mecanismos para convencê-las que aquilo é necessário? Produzimos em função dos anseios das pessoas ou do que o sistema produtivo é capaz de oferecer? Produzimos discursos filosóficos para justificar nossas propostas ou simplesmente não sabemos o que queremos?

New York skyline - Extraído de http://toptravellists.net


O fato é que estamos projetando mais “espaços gourmets” para pessoas que não sabem cozinhar do que cozinhas para atender necessidades cotidianas. Projetamos “lounges” particulares belíssimas e equipadas para pessoas que não tem tempo e ou não podem reunir os amigos em casa para não quebrar a lei do silêncio estabelecida nos condomínios. Já vi até em folhetos promocionais de venda de apartamento com um ambiente batizado de “garage band”, como se tivesse alguma graça formar uma banda e não incomodar os vizinhos. Duvido que algum movimento musical nos surpreenda a partir de um ambiente que já nasceu para reprimir.

Tais situações demonstram que estamos de fato a mercê do que o mercado pode viabilizar, de forma que, quem anda determinando usos e funções dos espaços habitacionais são empreendedores, advogados, engenheiros, marqueteiros, síndicos, e até porteiros, menos arquitetos e usuários. Acho que nunca vi uma família linda, feliz e perfeita como aquelas dos folders promocionais que as incorporadoras distribuem insistentemente nos semáforos da cidade. No entanto, estamos projetando moradias para estas famílias.
Os mecanismos de convencimento são exatamente os mesmo criados pelas empresas de bens de consumo através de campanhas de marketing para incentivar um público específico a consumir determinados produtos, úteis ou não. No caso da arquitetura, não é muito diferente. Os tais mecanismos de marketing podem estar travestidos de discursos filosóficos, de normas técnicas, de questões ideológicas e, sobretudo, da necessidade de se fazer algo, simplesmente para girar a roda da economia. É importante para o sistema produtivo massificar desejos e construir cada vez mais com menos recursos.

Há dois tipos de atitudes típicas entre os arquitetos frente a estas questões:

Uns procuram seguir a risca os mandamentos do cliente, atendem detalhadamente os programas de necessidades e propõem quase nada além do que é solicitado. Outros determinam usos, funções e novas formas de apropriação espacial de maneira autoritária e depois se justificam com discursos filosóficos fajutos e quando alguém questiona a necessidade de tal ousadia, argumentam que ninguém deseja o que não conhece e, portanto, é necessário que um profissional capacitado e antenado com as novas tendências apresente algo que desperte novos conceitos de vida, reais ou não.

Entre a passividade do primeiro e a prepotência mercadológica do segundo, descarto ambos os modos de agir e fico com o equilíbrio entre a ousadia e a sensibilidade.

Quanto às questões do primeiro parágrafo, ainda não sei respondê-las completamente, no entanto acredito que nunca teremos o controle do sistema produtivo do espaço tal como gostaríamos, pois o espaço nasce da articulação entre diversos interesses e sempre há que se fazer concessões para atingir propostas de organização espacial coerentes com a realidade. O domínio do processo de criação que tanto reivindicamos está mais ligado ao nosso talento em equilibrar as tensões entre os diversos grupos de interesse e a negociação dos nossos próprios desejos.

Érico Masiero 30 Abril 2013
Colaboração – Maurício Gomes

terça-feira, 16 de abril de 2013

“O pedreiro não me respeita!”


Entre as maiores dificuldades enfrentadas pelos profissionais envolvidos na liderança de uma obra estão os boicotes promovidos pelos funcionários. As motivações para estes conflitos são diversas, ou seja, insatisfação com salários, condições sub humanas de alojamento, higiene e alimentação no canteiro, falta de segurança ou prazos impraticáveis. Enfim, tudo aquilo que está descrito nas normas técnicas brasileiras mas que dificilmente se pratica com seriedade em obras civis.

Diante desta infeliz constatação, os gerentes de obras nem sempre conseguem conquistar a confiança dos trabalhadores e desenvolver de forma adequada e segura algum serviço, o que desencadeia uma série de conflitos. Assim, é possível afirmar que o bom funcionamento da hierarquia de um sistema produtivo é proporcional ao respeito mútuo praticado entre os parceiros e colaboradores de uma determinada organização.


 Operários, Tarsila do Amaral, 1933

As típicas figuras do gerente de obra truculento e autoritário, da arquiteta tresloucada e escandalosa ou do coordenador de projeto jovem e inseguro que caem de paraquedas nesta situação, podem ser bem sucedidas dentro de um canteiro de obras desde que, de alguma forma, inclua no seu repertório a diplomacia e o respeito aos mais primários códigos de ética que regem as relações profissionais e humanas.

A fronteira da sanidade é frequentemente ultrapassada na ânsia de se cumprir as metas de um serviço e com isso, os limites físicos e emocionais dos trabalhadores podem ser muitas vezes considerados, pela alta gestão, como as fraquezas que impedem o sistema de alcançar a máxima produtividade e assim, vencer a concorrência.

Embora a construção civil seja um dos motores da economia do país e tenha a simpatia dos governos por possuir alta e rápida empregabilidade, é um dos setores que mais usurpa os direitos trabalhistas e um dos que mais desrespeita as normas de conduta social. Fraudes em obras públicas, desrespeito pela legislação urbanística, desprezo pelas normas de segurança e saúde são comuns neste setor. Assim, fica evidente o motivo pelo qual as maiores falcatruas da política nacional, as mais indignantes ações de corrupção e os maiores picaretas estejam relacionados à construção civil, pública ou privada.

Desta forma, não somos naturalmente bem visto por pessoas que se encontram em posições sociais consideradas inferiores, principalmente por trabalhadores braçais, que consciente ou inconscientemente externam as suas indignações com as injustiças. Representamos o sistema de poder, mesmo não concordando e não fazendo parte diretamente dele.

Quando se trata de obras civis a gente se acostuma a lidar com cifras muito elevadas e dimensões gigantescas, o que pode causar uma falsa sensação de poder excessivo sobre os objetos e as pessoas. Cem mil reais podem parecer uma quantia irrisória para a construção de uma residência hoje em dia, mas é, na maioria das vezes, o recurso conquistado a duras penas por uma família, por exemplo. Geralmente este valor é proveniente de empréstimos bancários a juros estratosféricos. Mas, fazer arquitetura não é só lidar com recursos financeiros e posicionar objetos, é, sobretudo, fazer algo com e para as pessoas.

Concordo que nossa classe profissional também não tenha as melhores condições em relação aos direitos trabalhistas no Brasil. Já ouvi a frase “o pedreiro não me respeita” inúmeras vezes de diferentes perfis de profissionais, nem sempre com o mesmo sujeito. A palavra pedreiro pode ser substituída por empreiteiro, engenheiro, carpinteiro e até cliente, de forma que as relações dentro de uma obra só refletem a agressividade pela qual o sistema se alimenta para que bem ou mal, funcione.

O respeito por nós reivindicado está proporcionalmente relacionado ao nosso comprometimento no combate às injustiças de nosso país, seja em qualquer âmbito de atuação.

Érico Masiero, colaboração Maurício Gomes, 16 Abril 2013

domingo, 14 de abril de 2013

Ética e Moralismo


É muito fácil iludir um cliente e causar a sensação que ele está levando sempre vantagem. Mais fácil ainda é o profissional de arquitetura se envolver em maracutaia, principalmente no mercado de construção civil, grande ou pequena, do planejamento urbano, da fiscalização de obras que muitas vezes funcionam como ímãs de corrupção. Difícil é permanecer afastado do mundo das propinas e demais esquemas escusos.

No entanto, posso afirmar que as melhores relações profissionais são construídas baseadas simplesmente na confiança pessoal ao longo de muito tempo, e não é nada fácil. Estudei arquitetura nos anos noventa em uma escola que muitos professores afirmavam categoricamente que para ser bem sucedido era necessário ser bem relacionado socialmente, participar de muitas festas e de preferência ter nascido em uma família abastada. E ainda ouço isso com frequência. Pois é, iniciei minha carreira acreditando no fracasso, já que não preenchia nenhum desses requisitos sociais. Mas, por sorte, tive também grandes mestres que enfatizavam a necessidade de adquirir conhecimento técnico e humano, atuar com ética e respeito à sociedade e aos indivíduos.

Desta forma, não fico chocado quando me deparo com falcatruas, propinas, incompetência, politicagem, não somente em órgãos públicos, mas também em setores privados. Fico assustado mesmo quando assuntos como ética, respeito, coletividade e política soam como careta, ingênuo, puritano e até mesmo moralista em qualquer ocasião. Todos costumam concordar rapidamente para que este papo incômodo termine logo, embora poucos estejam realmente dispostos a assumir posições eticamente transparentes.

As instituições públicas ou privadas são formadas por pessoas e elas só podem nos representar se estiverem sintonizadas com determinados princípios de confiança. Não espere que o CAU ou qualquer outra instituição representativa faça algo por você se você não estiver disposto a atuar de acordo com os princípios éticos que nossa sociedade precisa estar apoiada. Portanto, posso afirmar que, se existe uma fórmula para o sucesso, certamente a confiança e o respeito aos princípios estão entre os mais importantes componentes.

Érico Masiero Outubro 2012

sábado, 6 de abril de 2013

Generalista x Especialista



A natureza da atividade do arquiteto, assim como a de muitas outras profissões, se caracteriza pela liberdade de atuação e pela possibilidade de lidar com uma enorme gama de assuntos sem estar necessariamente comprometido com uma estrutura produtiva hierarquizada como as de empresas ou instituições em geral. Quando se escolhe atuar nestas condições, é preciso estar ciente que as responsabilidades perante a sociedade e sobre suas conquistas se tornam exclusivamente individuais. Este é o preço da liberdade dos profissionais categorizados como liberais.


Embora a ideia de liberdade de pensamento seja sedutora para os ingressantes nesta atividade, nem todos optam arcar com o ônus de viver livremente, ou longe de empregos formalizados em alguma organização produtiva. Entretanto, é absolutamente imprescindível assimilar que as diversas possibilidades de atuação estão ligadas a sua permanente atenção às alterações das oportunidades de trabalho sob quaisquer condições.

Percebe-se que formação profissional do arquiteto está, de fato, cada vez mais generalista. Inclusive, muitos arquitetos defendem a ideia que o profissional deve ser capaz de atender demandas das mais diversificadas possíveis. Relatam, sobretudo, que a possibilidade de atuação em áreas tão distintas, faz da profissão uma das mais instigantes e ricas em experiências humanas. No entanto, a tendência para uma abordagem generalista de um determinado problema espacial, acaba por incentivar projetos, muitas vezes, superficiais e levianos, sendo que os quais nem sempre levam em consideração detalhes cruciais para seu êxito. A excessiva liberdade para escolher questões a serem privilegiadas nos projetos arquitetônicos é uma prática comum nas escolas de arquitetura e raramente as decisões de intervenções espaciais se associam às necessidades reais.

Ou seja, em nome da liberdade criativa de um projeto, se menosprezam normas técnicas, se desprezam custos, minimizam fatores humanos e se sacrifica a qualidade espacial. De modo que muitas vezes, a falta de aprofundamento na concepção dos projetos é confundida com abordagem generalista.

Abordar as questões genericamente, por um lado pode ser saudável, muito embora nem sempre se atinja o grau de conhecimento necessário para se solucionar um problema arquitetônico. Tratar as questões profissionais de maneira generalista não quer dizer tratá-las superficialmente. Assim, se faz cada vez mais necessário admitir as próprias limitações e recorrer a especialistas, e quem sabe, se tornar um deles.

O fato é que poucos profissionais conhecem profundamente e tiram proveito das atribuições da profissão previstas em lei, de forma que apenas algumas delas são valorizadas e altamente concorridas. Consequentemente, muitos preferem se lamentar em relação à concorrência com os próprios colegas ou com os engenheiros. Para estes, recomendo que deem uma boa olhada na enorme gama de atribuições de um arquiteto na lei 12.378 de 2010.


A liberdade a que me refiro no início do texto está intimamente relacionada ao conhecimento dos fatores que motivam sua atuação. 


Érico Masiero, 06 Abril 2013