sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Arquitetura (in) Sustentável

Os termos “Arquitetura Sustentável”, “Arquitetura Verde” ou “Arquitetura Ecologicamente Correta”, carregam pretensões acima do que realmente a arquitetura como objeto pode oferecer aos seres humanos.
A ideia de se criar atestados de eficiência energética para edifícios surgiu após a detecção de que 40% da energia produzida mundialmente é consumida por edifícios, tanto na construção, quanto na operação e na manutenção. Apesar disso, recentemente tem sido notado que em diversos casos, as contas de consumo de energia elétrica e água, por exemplo, de edifícios que receberam recentemente alguma certificação ambiental superam as contas de edifícios mais antigos, construídos sem a pretensão de parecerem ecologicamente correto.
Depois de alguns anos de funcionamento das instituições especializadas em certificação ambiental e dos selos verdes específicos para edifícios, tais como LEED ¹ (Leadership in Energy and Environmental Design), ou o Processo AQUA (Alta Qualidade Ambiental do Empreendimento) ², adaptação brasileira do selo francês “Démarche HQE”, foram detectadas muitas decepções por parte de investidores, usuários e órgãos governamentais. Desta forma, nem sempre o fato dos projetos de edificações seguirem os preceitos estabelecidos pelas instituições de referência no assunto garante um nível de performance acima daqueles projetados a partir de preceitos mais tradicionais. Justamente pelo fato do termo “sustentabilidade” ainda ser controverso, gerar muitas dúvidas e, sobretudo, ser usado com objetivos mercadológicos.
De acordo com o LEED, o nível da certificação é definido em uma escala de 0 a 110 pontos, de modo que, a pontuação mínima é de 40 pontos. O empreendimento é avaliado sob sete dimensões: (1) pelos impactos provocados no ecossistema, (2) pela eficiência do uso da água, (3) pela eficiência no consumo de energia e emissão de gases na atmosfera, (4) pela racionalidade no consumo de materiais e recursos, (5) pela qualidade ambiental interna e (6) as inovações nos processos construtivos e operacionais utilizados. As intenções parecem ótimas e certamente contribuem para agregar fatores qualitativos na concepção de espaços, mas os pífios resultados de eficiência energética em alguns edifícios certificados têm decepcionado. O que de fato acontece ?  
Entre as várias razões apontadas por Michael Mehaffy & Nikos Salingaros ³, (veja o link abaixo), uma, está relacionada ao comportamento do usuário. Trabalhar e viver em um edifício considerado “verde” provoca invariavelmente um comportamento displicente nos usuários, como, deixar as luzes acesas ou computadores ligados sem necessidade. Viver em edifícios projetados para ter alta performance energética não deveria nos dar o direito de abusar dos sistemas elétricos ou de condicionamento de ar.
O fato de vivermos em cidades hostis em relação às condições ambientais, de poluição e de segurança, faz com que tenhamos edifícios cada vez mais isolados e fechados para o ambiente urbano. Condomínios com muros altos e envoltos por peles de vidro se tornam desejáveis pelo mercado imobiliário e assim, apenas alguns fatores externos ditam as regras de concepção espacial. Menospreza-se, portanto, as condições de implantação, de insolação, por exemplo, já que as “inovadoras” tecnologias construtivas disponíveis atualmente se propõem a resolver qualquer limitação de projeto.
De certa forma, aprendemos a confiar demasiadamente em sistemas e instituições que se propõem a resolver nossos problemas, mas não estamos atentos ao nosso próprio comportamento. Adoramos reivindicar melhorias de governos, mas não nos sujeitamos a sequer dedicar um tempinho de nossa vida para participar de uma reunião de condomínio. Passamos horas discutindo os absurdos que ocorrem do outro lado do mundo, mas não investimos uma horinha para tentar melhorar o que está ao nosso lado.
Arquitetura como objeto carrega algo além de custo, beleza, eficiência e funcionalidade, ela é, sobretudo, uma maneira de expressar desejos, delimitar territórios e traduzir comportamentos humanos em espaços. Como há uma dose bastante grande de subjetividade na avaliação da qualidade do objeto arquitetônico, os atestados de eficiência energética não se tornam suficientes para classificá-la, simplesmente pelo fato de não serem poderosos o suficiente para alterar comportamentos humanos. 
Referências


3.  http://www.archdaily.com/396263/why-green-architecture-hardly-ever-deserves-the-name/ Why Green Architecture Hardly Ever Deserves the Name


terça-feira, 17 de setembro de 2013

Censo do CAU e os desafios na formação em Arquitetura e Urbanismo (Parte2)

Os cursos de mestrados, doutorados e demais pós-graduações não têm sido suficientes para formar o número necessário de professores e em grau de qualidade compatível com a demanda dos próximos anos. A CAPES, 2013 (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) (1), órgão federal ligado ao Ministério da Educação, destinou no ano de 2012, 692 bolsas de estudo para a formação de mestres e doutores no país nas áreas de arquitetura e urbanismo, no entanto, nem todos os candidatos se tornarão pesquisadores ou docentes em instituições que garantam tanto a continuidade dos estudos como o desenvolvimento e a transferência do conhecimento. Muitos candidatos apenas cumprem as exigências das universidades e dos órgãos de fomento à pesquisa de forma que nem sempre as monografias, as dissertações e as teses se revertem em benefícios significativos para a sociedade.
Pode ser verificado respectivamente pelas Figuras 1 e 2, que segundo a CAPES, 2013 o ritmo de formação de docentes em arquitetura está aquém do necessário para atender a demanda de forte tendência de criação de vagas nos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, de acordo com estimativas da ABEA, 2013.

Figura 1, tendência de crescimento do número de bolsas destinadas
à área de arquitetura e urbanismo
Fonte: CAPES, 2013

Figura 1, tendência de crescimento estimado da criação
de vagas em cursos de graduação em  arquitetura e urbanismo
Fonte: ABEA, 2013

Ressalva-se que, apesar de existir outras fontes de financiamento para a formação de docentes como as agências estaduais de fomento e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, a relação entre vagas e docentes continua sendo preocupante pelo fato de nem todos os mestres e doutores partirem para a atuação no sistema de ensino.  
A CAPES, 2013 também tem relatado dificuldades para selecionar candidatos suficientes para preencher todas as vagas disponíveis do Programa Ciência Sem Fronteiras (2), devido à baixa qualificação dos profissionais graduados e ao conhecimento insuficiente de outro idioma dos candidatos. Tanto que o Ministério da Educação lançou recentemente o programa Inglês Sem Fronteiras, curso de idioma disponibilizado on line, para tentar melhorar o alcance do nível de proficiência exigido nos exames linguísticos para o ingresso nas Universidades Anglófonas e minimizar a sobra de bolsas de estudo. Mesmo sabendo de todas as dificuldades encontradas pelo principal órgão de fomento a formação de profissionais de alto nível do Brasil, constata-se que 48% dos arquitetos julgam ter bons conhecimentos de inglês segundo o Censo do CAU, no entanto, poucos se aventuram pela academia ou outras áreas especializadas, embora haja oferta de recursos.
É certo que o CSF prioriza as áreas exatas e aqueles com maior identificação com as áreas de humanas têm chances reduzidas para obtenção desta fonte de recurso. Assim, das 22.229 bolsas de estudos distribuídas em todos os níveis até junho de 2013, 8.734 foram destinadas às áreas de Engenharia e Demais Áreas Tecnológicas. Arquitetos até levariam vantagem na concorrência pelas bolsas de pós-graduação por terem formação abrangente e conseguirem transitar bem entre as áreas tecnológicas, entre as quais são consideradas prioritárias para o governo, mas não é o que tem acontecido. Somente 135 bolsas foram destinadas à área de Novas Tecnologias de Engenharia Construtiva, por exemplo, onde alguns arquitetos teriam grandes chances de se inserirem, somente 6 bolsas foram destinadas nesta categoria para formação de candidatos ao Doutorado Pleno no exterior desde o início do programa em 2011.
A pesquisa do CAU relata ainda que, 87% dos arquitetos estão satisfeitos com a formação recebida pela instituição de ensino onde concluíram a formação em Arquitetura e Urbanismo. No entanto, fica evidente que a falta de acesso de muitos profissionais, interessados em melhorar a sua formação acadêmica, às linhas de financiamento disponíveis pelo governo se deve ou por falta de iniciativa dos próprios candidatos, ou por desconhecimento das oportunidades, ou principalmente por falta de preparo acadêmico.
No caminho oposto às dificuldades enfrentadas na formação de recursos humanos qualificados no país, Maragno, (2012) (3) retrata o vertiginoso crescimento do número de escolas de arquitetura no Brasil. São quase 300 cursos com uma distribuição desigual pelo país, sendo que a maioria está concentrada na região Sudeste. Portanto, a principal questão é: como preencher as novas vagas para docentes nestes novos cursos, se o nosso sistema de formação de profissionais de alto nível mal consegue suprir a demanda para os cursos existentes?
Diante destes dados surgem duas notícias, uma boa e outra ruim. A boa é que os arquitetos nunca foram tão solicitados quanto atualmente para participar das questões cruciais no desenvolvimento do país. Questões de infraestrutura, habitação, meio ambiente, aplicação de novas tecnologias construtivas, aumento da eficiência energética dos edifícios ou preservação do patrimônio cultural e planejamento urbano são temas altamente relevantes e áreas que podem absorver grande número de profissionais, desde que estes estejam preparados para desempenhar tais tarefas. A notícia ruim é que com pouca qualificação, os profissionais terão poucas oportunidades e acesso restrito para participar de serviços especializados. Assim, fica esclarecido o motivo pelo qual no Censo do CAU, é apresentado que 50% dos profissionais atribuem à valorização profissional pela sociedade como o maior obstáculo para o exercício profissional, ou seja, há excesso de profissionais desempenhando funções que exigem pouca qualificação. O acesso ao mercado continuará restrito caso não haja mudança de atitude por parte de profissionais, instituições de ensino, principalmente de algumas privadas e órgãos do governo e passem a focar no objetivo de formar lideranças e pessoas seguras para tomar decisões importantes e de interesse nacional.
Desafios e Recomendações
Enquanto a necessidade das décadas de 90 e 2000 era expandir o sistema de ensino superior e garantir um acesso mais efetivo às camadas menos favorecidas economicamente, agora o desafio para os próximos anos é, sem dúvida, garantir a qualidade do sistema educacional como um todo para que os profissionais tenham acesso às oportunidades de trabalho de alta relevância.
Apesar do arquiteto e urbanista ter caráter generalista, o profissional não deve se limitar a tarefas genéricas e superficiais. É necessário que os profissionais consigam transitar com desenvoltura entre tarefas que exijam diversos níveis de conhecimento tanto prático como teórico, de acordo com as solicitações atuais e com as novas oportunidades.
Por se tratar também de uma profissão que depende da prática efetiva e do exercício diário do oficio, a formação em arquitetura deve investir um esforço mais efetivo em equilibrar os aspectos teóricos e práticos na formação. Apesar de algumas escolas considerarem o estágio como horas complementares na formação, em muitos casos, esta experiência não atribui qualquer diferencial no curriculum e nem sempre contribui para a inserção do profissional no mercado. No entanto, as escolas se baseiam em geral em avaliações teóricas e, muitas vezes, subjetivas para habilitar um profissional. O período do estágio, da forma como está organizado, é mal supervisionado, e pouco avaliado por instituições e profissionais experientes, salvo em algumas exceções. Não encaminha o estudante para a especialização, nem contribui para que este tenha acesso a novas oportunidades de trabalho. A falta de reconhecimento e da formalização da experiência prática representam entraves que limitam o acesso dos profissionais ao mercado de trabalho em geral.
Assim, nosso sistema educacional abre poucas possibilidades de desenvolvimento profissional e desperta pouco interesse no aluno para a continuidade dos estudos. Atualmente, as formações específicas são concentradas nos cursos de pós graduação, os quais ainda possuem grandes entraves para o acesso igualitário dos graduados ao sistema público educacional. As exigências que as universidades do exterior fazem aos candidatos pelo conhecimento sobre o assunto a ser abordado no intercâmbio do CSF e do idioma do país em que se pretende estudar, são apenas indicadores que estamos muito aquém do nível de estudo praticado internacionalmente. Somente os candidatos vindos de universidades públicas federais e estaduais conseguem atingir o nível exigido para a realização do intercâmbio, os quais são maioria absoluta nas submissões de propostas para o CSF.
Portanto, o alto número de profissionais que se dedicam a tarefas pouco especializadas se deve ao fato do sistema educacional contar com estrutura ainda precária para a formação de mão obra em nível de graduação e não incentivar a continuidade dos estudos. Assim, forma-se um grande contingente de profissionais que concorrem entre si por trabalhos pouco especializados e que nem sempre contribuem para o desenvolvimento das áreas consideradas prioritárias no país. As insatisfações recorrentes dos profissionais são representadas respectivamente pelas parcelas que consideram a falta de valorização profissional pela sociedade, a má remuneração e à falta de acesso ao mercado. Os números divulgados pelo Censo do CAU explicam que a má remuneração decorre da alta concorrência entre profissionais com baixo índice de especialização e, portanto, com pouco acesso a oportunidades de trabalho.
Para que o acesso ao mercado de trabalho seja otimizado, sugere-se que os órgãos governamentais responsáveis pelo fomento à qualificação de recursos humanos considerem a formatação de novos meios de aparelhamento das instituições públicas e privadas brasileiras no sentido de se oferecer vagas para o desenvolvimento profissional no estágio pré formatura em arquitetura e urbanismo. Neste sentido, é necessário que se criem programas de extensão universitária e desenvolvimento profissional específicos em parceria com as instituições que comprovem competência perante a sociedade em áreas do conhecimento prioritárias para o país. Há que se criar um pacto entre as instituições que estejam de fato comprometidas com a transferência de conhecimento e com a formação de lideranças.
NE
Leia a primeira parte deste artigo: MASIERO, Érico. Censo do CAU e os desafios na formação em Arquitetura e Urbanismo (parte1). Drops, São Paulo, 14.071, Vitruvius, ago 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/

1
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. CAPES. Coordenadoria de Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Dados Estatísticos. 2013. Disponível em http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/acessado em 25 Junho 2013 

2
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. CAPES. Coordenadoria de Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Painel de Controle do Programa Ciência Sem Fronteiras, 2013. Disponível em:http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/painel-de-controle acessado em 25  junho 2013

3
MARAGNO, Gogliardo Vieira. Questões Sobre a Qualificação e o Ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. In. Anais... XXXI Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo. ABEA: São Paulo, 2012. Disponível em http://www.abea-arq.org.br/?p=382 acessado em 25 Junho 2013.