segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Tempo e espaço

Indignação e espanto são as manifestações mais comuns entre estudantes de arquitetura ao saber do tempo necessário para se estabelecer na profissão. Jovens universitários sonham com um futuro promissor e uma carreira cheia de sucesso, mas não consideram as dificuldades normais do percurso.

Uns, podem demorar poucos anos para obter reconhecimento, o que é muito raro que aconteça em qualquer das especialidades que escolher. A maioria deve demorar mais de cinco anos após a formatura para se adaptar às exigências do mercado de trabalho e receber gratificações financeiras e o respeito social que acreditam merecer. Nenhum diploma de graduação é garantia de sucesso profissional, nem nunca foi, e apesar do enorme apelo comercial das faculdades e dos meios de comunicação, só os muito perseverantes pacientes e apaixonados pela atividade sobrevivem. O investimento em qualquer profissão é sempre feito a fundo perdido, a dedicação de tempo, dinheiro e o esforço raramente resultam em um aumento imediato na remuneração. Nem por isso o investimento em formação deve ser preterido.


No caso de arquitetos autônomos que trabalham essencialmente com clientes individuais e projetos de habitações unifamiliares, o tempo de maturação do profissional é longo devido ao tempo necessário para que todo o processo de consolidação de um espaço se cumpra. Faça a seguinte pergunta para você mesmo: Se iniciarmos um projeto de arquitetura hoje, qual o tempo necessário para que o edifício seja finalmente ocupado pelos seus usuários?

O tempo talvez seja o fator mais subestimado pelos jovens profissionais e para atingir um grau de maturidade consistente é necessário passar por todas as fases de concepção e consolidação de pelo menos alguns espaços até adquirir experiência suficiente. Para estimar este tempo, procure somar o tempo necessário para que o primeiro cliente seja conquistado, inclua o tempo de negociação dos valores dos serviços que pretende prestar, estabeleça os prazos e as demais cláusulas do contrato. Inicie com algumas conversas para definir as estratégias básicas, rabisque as primeiras ideias no estudo preliminar, passe pelos processos de aprovação com o cliente e com os órgãos públicos. Quando estas etapas forem vencidas e o projeto é oficialmente aprovado, teremos a sensação que o dever foi cumprido, mas infelizmente não chegamos nem na metade do trabalho.

Inclua o tempo para a elaboração dos desenhos executivos, para compatibilizar os projetos complementares, orce a obra e administre-a, gerencie os conflitos com sua equipe de projeto e de execução, com seus fornecedores, com os vizinhos, com os palpiteiros de plantão e principalmente, com a ansiedade do cliente até chegar finalmente à apropriação dos usuários, se você sobreviver até lá.

Se você somou o tempo para cada etapa, deve ter verificado que por mais simples que seja o projeto, o processo não deve resultar em um tempo inferior a um ano, isso sem considerarmos os reveses e a concorrência de outros profissionais ávidos por um pedaço de bolo. Evidentemente, cada etapa citada se trata de uma possível especialidade de atuação e cabe a você encarar o maior número de situações e dificuldades para conhecer suas melhores características e suas limitações pessoais.

Sinto lhe informar, se você tem ânsia por sucesso profissional, terá que passar algumas vezes por tudo isso até se habituar e detectar os pontos que deve melhorar e, assim, corrigir as falhas nos trabalhos subsequentes. Poucos acertam 100% na primeira obra.



Coragem, persistência e paciência foram termos citados por vários colegas que conversei antes de escrever este texto, e todos foram unânimes em relação à gratificação ao ver uma obra realizada e bem utilizada. Aqueles que passaram por tudo isso garantem, arquitetura pode não ser a profissão mais rentável, mas ao longo do tempo é altamente compensadora do ponto de vista humano.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Revista AU - Os arquitetos são uma categoria desagregada? Edição 235 - Outubro/2013

Sim, porém não acredito que a desunião dos arquitetos decorra simplesmente do baixo interesse dos profissionais em participar das organizações sociais e de serem despolitizados. Entendo que a natureza da atividade, em geral, possibilita que o profissional se envolva com uma imensa gama de atribuições. A frequente queda de braço entre planejadores urbanos e empreendedores imobiliários, por exemplo, é um típico caso em que profissionais com a mesma formação acadêmica defendem pontos de vista diferentes perante a sociedade e desempenham funções até conflituosas. A diversidade de paradigmas sempre vai existir, e sobretudo fortalece a civilidade e os processos de tomada de decisão. No entanto, se exigimos maior valorização da profissão, é fundamental buscarmos convergência de opiniões em relação às questões de atuação profissional.

Acesse também em: 




sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Arquitetura (in) Sustentável

Os termos “Arquitetura Sustentável”, “Arquitetura Verde” ou “Arquitetura Ecologicamente Correta”, carregam pretensões acima do que realmente a arquitetura como objeto pode oferecer aos seres humanos.
A ideia de se criar atestados de eficiência energética para edifícios surgiu após a detecção de que 40% da energia produzida mundialmente é consumida por edifícios, tanto na construção, quanto na operação e na manutenção. Apesar disso, recentemente tem sido notado que em diversos casos, as contas de consumo de energia elétrica e água, por exemplo, de edifícios que receberam recentemente alguma certificação ambiental superam as contas de edifícios mais antigos, construídos sem a pretensão de parecerem ecologicamente correto.
Depois de alguns anos de funcionamento das instituições especializadas em certificação ambiental e dos selos verdes específicos para edifícios, tais como LEED ¹ (Leadership in Energy and Environmental Design), ou o Processo AQUA (Alta Qualidade Ambiental do Empreendimento) ², adaptação brasileira do selo francês “Démarche HQE”, foram detectadas muitas decepções por parte de investidores, usuários e órgãos governamentais. Desta forma, nem sempre o fato dos projetos de edificações seguirem os preceitos estabelecidos pelas instituições de referência no assunto garante um nível de performance acima daqueles projetados a partir de preceitos mais tradicionais. Justamente pelo fato do termo “sustentabilidade” ainda ser controverso, gerar muitas dúvidas e, sobretudo, ser usado com objetivos mercadológicos.
De acordo com o LEED, o nível da certificação é definido em uma escala de 0 a 110 pontos, de modo que, a pontuação mínima é de 40 pontos. O empreendimento é avaliado sob sete dimensões: (1) pelos impactos provocados no ecossistema, (2) pela eficiência do uso da água, (3) pela eficiência no consumo de energia e emissão de gases na atmosfera, (4) pela racionalidade no consumo de materiais e recursos, (5) pela qualidade ambiental interna e (6) as inovações nos processos construtivos e operacionais utilizados. As intenções parecem ótimas e certamente contribuem para agregar fatores qualitativos na concepção de espaços, mas os pífios resultados de eficiência energética em alguns edifícios certificados têm decepcionado. O que de fato acontece ?  
Entre as várias razões apontadas por Michael Mehaffy & Nikos Salingaros ³, (veja o link abaixo), uma, está relacionada ao comportamento do usuário. Trabalhar e viver em um edifício considerado “verde” provoca invariavelmente um comportamento displicente nos usuários, como, deixar as luzes acesas ou computadores ligados sem necessidade. Viver em edifícios projetados para ter alta performance energética não deveria nos dar o direito de abusar dos sistemas elétricos ou de condicionamento de ar.
O fato de vivermos em cidades hostis em relação às condições ambientais, de poluição e de segurança, faz com que tenhamos edifícios cada vez mais isolados e fechados para o ambiente urbano. Condomínios com muros altos e envoltos por peles de vidro se tornam desejáveis pelo mercado imobiliário e assim, apenas alguns fatores externos ditam as regras de concepção espacial. Menospreza-se, portanto, as condições de implantação, de insolação, por exemplo, já que as “inovadoras” tecnologias construtivas disponíveis atualmente se propõem a resolver qualquer limitação de projeto.
De certa forma, aprendemos a confiar demasiadamente em sistemas e instituições que se propõem a resolver nossos problemas, mas não estamos atentos ao nosso próprio comportamento. Adoramos reivindicar melhorias de governos, mas não nos sujeitamos a sequer dedicar um tempinho de nossa vida para participar de uma reunião de condomínio. Passamos horas discutindo os absurdos que ocorrem do outro lado do mundo, mas não investimos uma horinha para tentar melhorar o que está ao nosso lado.
Arquitetura como objeto carrega algo além de custo, beleza, eficiência e funcionalidade, ela é, sobretudo, uma maneira de expressar desejos, delimitar territórios e traduzir comportamentos humanos em espaços. Como há uma dose bastante grande de subjetividade na avaliação da qualidade do objeto arquitetônico, os atestados de eficiência energética não se tornam suficientes para classificá-la, simplesmente pelo fato de não serem poderosos o suficiente para alterar comportamentos humanos. 
Referências


3.  http://www.archdaily.com/396263/why-green-architecture-hardly-ever-deserves-the-name/ Why Green Architecture Hardly Ever Deserves the Name


terça-feira, 17 de setembro de 2013

Censo do CAU e os desafios na formação em Arquitetura e Urbanismo (Parte2)

Os cursos de mestrados, doutorados e demais pós-graduações não têm sido suficientes para formar o número necessário de professores e em grau de qualidade compatível com a demanda dos próximos anos. A CAPES, 2013 (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) (1), órgão federal ligado ao Ministério da Educação, destinou no ano de 2012, 692 bolsas de estudo para a formação de mestres e doutores no país nas áreas de arquitetura e urbanismo, no entanto, nem todos os candidatos se tornarão pesquisadores ou docentes em instituições que garantam tanto a continuidade dos estudos como o desenvolvimento e a transferência do conhecimento. Muitos candidatos apenas cumprem as exigências das universidades e dos órgãos de fomento à pesquisa de forma que nem sempre as monografias, as dissertações e as teses se revertem em benefícios significativos para a sociedade.
Pode ser verificado respectivamente pelas Figuras 1 e 2, que segundo a CAPES, 2013 o ritmo de formação de docentes em arquitetura está aquém do necessário para atender a demanda de forte tendência de criação de vagas nos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, de acordo com estimativas da ABEA, 2013.

Figura 1, tendência de crescimento do número de bolsas destinadas
à área de arquitetura e urbanismo
Fonte: CAPES, 2013

Figura 1, tendência de crescimento estimado da criação
de vagas em cursos de graduação em  arquitetura e urbanismo
Fonte: ABEA, 2013

Ressalva-se que, apesar de existir outras fontes de financiamento para a formação de docentes como as agências estaduais de fomento e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, a relação entre vagas e docentes continua sendo preocupante pelo fato de nem todos os mestres e doutores partirem para a atuação no sistema de ensino.  
A CAPES, 2013 também tem relatado dificuldades para selecionar candidatos suficientes para preencher todas as vagas disponíveis do Programa Ciência Sem Fronteiras (2), devido à baixa qualificação dos profissionais graduados e ao conhecimento insuficiente de outro idioma dos candidatos. Tanto que o Ministério da Educação lançou recentemente o programa Inglês Sem Fronteiras, curso de idioma disponibilizado on line, para tentar melhorar o alcance do nível de proficiência exigido nos exames linguísticos para o ingresso nas Universidades Anglófonas e minimizar a sobra de bolsas de estudo. Mesmo sabendo de todas as dificuldades encontradas pelo principal órgão de fomento a formação de profissionais de alto nível do Brasil, constata-se que 48% dos arquitetos julgam ter bons conhecimentos de inglês segundo o Censo do CAU, no entanto, poucos se aventuram pela academia ou outras áreas especializadas, embora haja oferta de recursos.
É certo que o CSF prioriza as áreas exatas e aqueles com maior identificação com as áreas de humanas têm chances reduzidas para obtenção desta fonte de recurso. Assim, das 22.229 bolsas de estudos distribuídas em todos os níveis até junho de 2013, 8.734 foram destinadas às áreas de Engenharia e Demais Áreas Tecnológicas. Arquitetos até levariam vantagem na concorrência pelas bolsas de pós-graduação por terem formação abrangente e conseguirem transitar bem entre as áreas tecnológicas, entre as quais são consideradas prioritárias para o governo, mas não é o que tem acontecido. Somente 135 bolsas foram destinadas à área de Novas Tecnologias de Engenharia Construtiva, por exemplo, onde alguns arquitetos teriam grandes chances de se inserirem, somente 6 bolsas foram destinadas nesta categoria para formação de candidatos ao Doutorado Pleno no exterior desde o início do programa em 2011.
A pesquisa do CAU relata ainda que, 87% dos arquitetos estão satisfeitos com a formação recebida pela instituição de ensino onde concluíram a formação em Arquitetura e Urbanismo. No entanto, fica evidente que a falta de acesso de muitos profissionais, interessados em melhorar a sua formação acadêmica, às linhas de financiamento disponíveis pelo governo se deve ou por falta de iniciativa dos próprios candidatos, ou por desconhecimento das oportunidades, ou principalmente por falta de preparo acadêmico.
No caminho oposto às dificuldades enfrentadas na formação de recursos humanos qualificados no país, Maragno, (2012) (3) retrata o vertiginoso crescimento do número de escolas de arquitetura no Brasil. São quase 300 cursos com uma distribuição desigual pelo país, sendo que a maioria está concentrada na região Sudeste. Portanto, a principal questão é: como preencher as novas vagas para docentes nestes novos cursos, se o nosso sistema de formação de profissionais de alto nível mal consegue suprir a demanda para os cursos existentes?
Diante destes dados surgem duas notícias, uma boa e outra ruim. A boa é que os arquitetos nunca foram tão solicitados quanto atualmente para participar das questões cruciais no desenvolvimento do país. Questões de infraestrutura, habitação, meio ambiente, aplicação de novas tecnologias construtivas, aumento da eficiência energética dos edifícios ou preservação do patrimônio cultural e planejamento urbano são temas altamente relevantes e áreas que podem absorver grande número de profissionais, desde que estes estejam preparados para desempenhar tais tarefas. A notícia ruim é que com pouca qualificação, os profissionais terão poucas oportunidades e acesso restrito para participar de serviços especializados. Assim, fica esclarecido o motivo pelo qual no Censo do CAU, é apresentado que 50% dos profissionais atribuem à valorização profissional pela sociedade como o maior obstáculo para o exercício profissional, ou seja, há excesso de profissionais desempenhando funções que exigem pouca qualificação. O acesso ao mercado continuará restrito caso não haja mudança de atitude por parte de profissionais, instituições de ensino, principalmente de algumas privadas e órgãos do governo e passem a focar no objetivo de formar lideranças e pessoas seguras para tomar decisões importantes e de interesse nacional.
Desafios e Recomendações
Enquanto a necessidade das décadas de 90 e 2000 era expandir o sistema de ensino superior e garantir um acesso mais efetivo às camadas menos favorecidas economicamente, agora o desafio para os próximos anos é, sem dúvida, garantir a qualidade do sistema educacional como um todo para que os profissionais tenham acesso às oportunidades de trabalho de alta relevância.
Apesar do arquiteto e urbanista ter caráter generalista, o profissional não deve se limitar a tarefas genéricas e superficiais. É necessário que os profissionais consigam transitar com desenvoltura entre tarefas que exijam diversos níveis de conhecimento tanto prático como teórico, de acordo com as solicitações atuais e com as novas oportunidades.
Por se tratar também de uma profissão que depende da prática efetiva e do exercício diário do oficio, a formação em arquitetura deve investir um esforço mais efetivo em equilibrar os aspectos teóricos e práticos na formação. Apesar de algumas escolas considerarem o estágio como horas complementares na formação, em muitos casos, esta experiência não atribui qualquer diferencial no curriculum e nem sempre contribui para a inserção do profissional no mercado. No entanto, as escolas se baseiam em geral em avaliações teóricas e, muitas vezes, subjetivas para habilitar um profissional. O período do estágio, da forma como está organizado, é mal supervisionado, e pouco avaliado por instituições e profissionais experientes, salvo em algumas exceções. Não encaminha o estudante para a especialização, nem contribui para que este tenha acesso a novas oportunidades de trabalho. A falta de reconhecimento e da formalização da experiência prática representam entraves que limitam o acesso dos profissionais ao mercado de trabalho em geral.
Assim, nosso sistema educacional abre poucas possibilidades de desenvolvimento profissional e desperta pouco interesse no aluno para a continuidade dos estudos. Atualmente, as formações específicas são concentradas nos cursos de pós graduação, os quais ainda possuem grandes entraves para o acesso igualitário dos graduados ao sistema público educacional. As exigências que as universidades do exterior fazem aos candidatos pelo conhecimento sobre o assunto a ser abordado no intercâmbio do CSF e do idioma do país em que se pretende estudar, são apenas indicadores que estamos muito aquém do nível de estudo praticado internacionalmente. Somente os candidatos vindos de universidades públicas federais e estaduais conseguem atingir o nível exigido para a realização do intercâmbio, os quais são maioria absoluta nas submissões de propostas para o CSF.
Portanto, o alto número de profissionais que se dedicam a tarefas pouco especializadas se deve ao fato do sistema educacional contar com estrutura ainda precária para a formação de mão obra em nível de graduação e não incentivar a continuidade dos estudos. Assim, forma-se um grande contingente de profissionais que concorrem entre si por trabalhos pouco especializados e que nem sempre contribuem para o desenvolvimento das áreas consideradas prioritárias no país. As insatisfações recorrentes dos profissionais são representadas respectivamente pelas parcelas que consideram a falta de valorização profissional pela sociedade, a má remuneração e à falta de acesso ao mercado. Os números divulgados pelo Censo do CAU explicam que a má remuneração decorre da alta concorrência entre profissionais com baixo índice de especialização e, portanto, com pouco acesso a oportunidades de trabalho.
Para que o acesso ao mercado de trabalho seja otimizado, sugere-se que os órgãos governamentais responsáveis pelo fomento à qualificação de recursos humanos considerem a formatação de novos meios de aparelhamento das instituições públicas e privadas brasileiras no sentido de se oferecer vagas para o desenvolvimento profissional no estágio pré formatura em arquitetura e urbanismo. Neste sentido, é necessário que se criem programas de extensão universitária e desenvolvimento profissional específicos em parceria com as instituições que comprovem competência perante a sociedade em áreas do conhecimento prioritárias para o país. Há que se criar um pacto entre as instituições que estejam de fato comprometidas com a transferência de conhecimento e com a formação de lideranças.
NE
Leia a primeira parte deste artigo: MASIERO, Érico. Censo do CAU e os desafios na formação em Arquitetura e Urbanismo (parte1). Drops, São Paulo, 14.071, Vitruvius, ago 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/

1
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. CAPES. Coordenadoria de Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Dados Estatísticos. 2013. Disponível em http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/acessado em 25 Junho 2013 

2
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. CAPES. Coordenadoria de Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Painel de Controle do Programa Ciência Sem Fronteiras, 2013. Disponível em:http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/painel-de-controle acessado em 25  junho 2013

3
MARAGNO, Gogliardo Vieira. Questões Sobre a Qualificação e o Ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. In. Anais... XXXI Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo. ABEA: São Paulo, 2012. Disponível em http://www.abea-arq.org.br/?p=382 acessado em 25 Junho 2013.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Censo do CAU e os desafios na formação em Arquitetura e Urbanismo (Parte1)

A recente divulgação do primeiro Censo dos Arquitetos Brasileiros (1) pelo CAU - Conselho de Arquitetura e Urbanismo - elucida as principais características destes profissionais, suas atribuições, seus rendimentos, seus anseios, entre outros aspectos interessantes. A iniciativa do CAU é fundamental para a compreensão da dinâmica do mercado de trabalho, para o fortalecimento da categoria e, sobretudo, para a orientação na elaboração de diretrizes para a formação de novos profissionais.
Na pesquisa do CAU, entre os principais obstáculos apontados para o exercício da profissão, 50% relatam a falta de valorização do arquiteto e urbanista por parte da sociedade, 32% consideram a má remuneração e 10% à falta de acesso ao mercado, entre outros motivos. São apontadas, inclusive, questões referentes à má formação acadêmica e a desatualização profissional. Assim, O Censo reflete uma insatisfação dos profissionais quanto à inserção da arquitetura e do urbanismo entre as questões prioritárias no país e reivindicam maior participação junto à sociedade.
Para aqueles que estão estudando arquitetura ou iniciando na atividade, as dúvidas referentes aos caminhos a serem trilhados são perturbadoras, principalmente devido à dinâmica do mercado e a fragilidade das organizações desta categoria. As dificuldades para estabelecer metas profissionais e identificar áreas promissoras de atuação causam um grande desconforto, não só nos iniciantes, mas também nos mais experientes profissionais. Por isso, relata-se neste artigo algumas considerações e reflexões sobre os dados apresentados pelo CAU para traçar os futuros desafios profissionais no sentido de garantir melhorias na formação acadêmica, no maior acesso ao mercado de trabalho e no consequente aumento de remuneração.
A partir da questão apresentada pelo CAU que objetiva esclarecer quais foram as principais áreas que os profissionais pesquisados atuaram nos últimos dois anos, é possível constatar que 66% dos arquitetos se dedicaram aos setores de concepção, execução de obras e arquitetura de interiores, respectivamente. É natural que estas tarefas sejam muito praticadas, devido à valorização dada a estas atividades nas escolas de arquitetura do país. O que mais surpreende é a carência de profissionais em outras áreas, principalmente no âmbito das especialidades e aquelas que tratam de desenvolvimento do conhecimento, do ensino e da pesquisa científica, as quais são fundamentais para apoiar tecnicamente as atividades dos arquitetos.
Ensino e desenvolvimento do conhecimento na Arquitetura e no Urbanismo
Pode ser observado na pesquisa do CAU que a área de ensino não é mencionada entre todas as áreas consideradas pouco exploradas pelos profissionais, sendo que apenas 3% da categoria atuam na educação. Segundo estes dados, 6.135 dos arquitetos e urbanistas atuam comodocentes e, a maior parte deles, se divide entre a carreira acadêmica e o trabalho como profissional de projeto. Destes, cerca de 20% tem dedicação exclusiva em alguma instituição pública ou privada. Ou seja, menos de 1300 profissionais se dedicam exclusivamente ao ensino e ao desenvolvimento do conhecimento para um país com 50.000 estudantes de arquitetura, e uma demanda de crescimento de 10% ao ano, de acordo com estimativas da ABEA, 2013 (Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura) e do INEP, 2010 (2). É certo que entre estes 1300 professores, somente alguns estão de fato comprometidos com assuntos que envolvem o desenvolvimento de novas tecnologias ou estão debruçados sobre os problemas atuais brasileiros no que se refere a, por exemplo, aspectos culturais, tecnológicos, teóricos, humanos, sociais e ambientais. De tal maneira que a transferência de conhecimento se dá muito no âmbito do mercado de trabalho e, em menor intensidade, na academia.
As atividades desenvolvidas durante as disciplinas de projeto de arquitetura durante a graduação raramente atingem níveis adequados com as práticas exigidas de obras civis. Valoriza-se demasiadamente a fase conceitual dos projetos de arquitetura e urbanismo durante as dinâmicas das disciplinas e questões técnicas são geralmente relegadas a um segundo plano por não haver tempo suficiente nem interesse para amadurecê-las. Nem mesmo os trabalhos de conclusão de curso chegam sequer a desenvolver os sistemas complementares e compatibilizá-los em níveis elementares.  Assim, é possível que o aluno termine o curso sem nunca ter passado pela experiência de reger os diversos sistemas que compõem um espaço, como, as instalações prediais, o ar condicionado ou a estrutura no caso de um edifício ou, então, a iluminação pública, a drenagem, as massas de vegetação e o sistema de mobilidade em um projeto urbano. Quiçá, acompanhar na realidade o resultado da implantação de suas propostas.
Atualmente, é possível sair da escola de arquitetura sem ter tido uma experiência prática profissional rica em alguma instituição capacitada através de um estágio. Ou seja, ao final do curso o estudante pode se auto intitular o que bem desejar, designer de interiores, planejador urbano ou paisagista, por exemplo, sem necessariamente ter tido alguma experiência formalizada em alguma destas áreas.
As Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, através da Resolução número 2 recomendam através do Art. 3º que o projeto pedagógico deve facilitar a interdisciplinaridade e a integração entre teoria e prática (BRASIL, 2010) (3).  No entanto, as escolas tem tido ação limitada na integração entre teoria e prática por mais bem estruturadas que sejam. A tensão e a responsabilidade de um ambiente profissional só são vivenciadas por aqueles que se atiram ao mercado de trabalho, e não raramente, de maneira precoce e sem estar devidamente preparado para tais experiências. Na maioria das vezes, sem o consentimento nem a supervisão das instituições de ensino superior, o que contraria as recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais.
De acordo com o Art. 7º destas resoluções (BRASIL, 2010), o estágio curricular supervisionado deverá ser concebido como conteúdo curricular obrigatório, cabendo à Instituição de Educação Superior, por seus colegiados acadêmicos, aprovar o correspondente regulamento, abrangendo diferentes modalidades de operacionalização. No entanto, não é especificado qual o momento mais adequado para o desenvolvimento do estágio e nem a carga horária em relação aos estudos teóricos, assim, a distribuição destas atividades ao longo do curso pode não estar em sintonia com o conteúdo programático das disciplinas.
São poucas as escolas que dispõem de programas próprios de capacitação profissional provenientes de convênios para a relocação de vagas de estágio ou de parcerias de acompanhamento junto às empresas, de forma que a iniciativa parte normalmente do aluno ou da empresa oferece a vaga. É importante ressaltar que cabe a instituição de ensino a responsabilidades de supervisionar as atividades dos estagiários dentro da função, inclusive para assegurar que as tarefas por ele desenvolvidas têm objetivos educacionais e não necessariamente de produtividade. Para tanto, é fundamental que haja uma interação entre as instituições de ensino com o mercado de trabalho, de forma que se crie maior comprometimento com a transferência de conhecimento e o sistema desperte o interesse do aluno para atividades especializadas e continuidade dos estudos.
A estrutura curricular da graduação em medicina, por exemplo, considera a prática como item indispensável na formação profissional, tanto que o Art. 7º da Resolução no. 4 (BRASIL, 2001) (4) recomenda que a formação do médico inclua, como etapa integrante da graduação, estágio curricular obrigatório de treinamento em serviço, em regime de internato, em serviços próprios ou conveniados. Destaca-se, sobretudo, que o estagiário deve estar sob a supervisão direta dos docentes da própria escola. A carga horária mínima do estágio curricular deverá atingir trinta e cinco por cento da carga horária total do curso de graduação. De acordo com § 1º, o estágio curricular obrigatório de treinamento em serviços médicos devem ser eminentemente práticos e sua carga horária teórica não poderá ser superior a vinte por cento do total por estágio.
Entre as especialidades dentro da arquitetura, não há estrutura organizacional preparada para oferecer vagas suficientes de estágio pré formatura que consiga formalizar o conhecimento adquirido e avaliar o desempenho do estagiário durante este período. Logo, a realização de um estágio dentro de uma prefeitura, na área de planejamento, não atribui diferencial no seu curriculum com ênfase em planejamento urbano. Ou a realização de um estágio em uma grande construtora na área de administração de obras civis não confere atribuições diferenciadas em gerenciamento de obras ao pretendente, nem mesmo existe a possibilidade de alguma instituição avaliar a habilidade prática adquirida deste estudante, justamente pelo fato do supervisor de estágio da instituição de ensino superior possuir acesso limitado às tarefas desenvolvidas pelo estagiário.
Portanto, apesar de muitos estudantes serem altamente dedicados e pró ativos, não conseguem comprovar formalmente a experiência acumulada durante o período de estágio, o qual é caracterizado por uma informalidade que dificulta a inserção deste aluno em alguma atividade específica após a finalização dos estudos. Assim, a formalização do conhecimento de áreas específicas é adquirida apenas através de cursos de pós graduação, de forma que a vivência do cotidiano do ofício específico se torna pouco valorizada e raramente mensurada adequadamente no atual sistema educacional.
Não perca a segunda parte em Setembro...
notas
NE
O artigo é dividido em duas partes. A continuação será publicada em setembro, também pela revista Drops do portal Vitruvius.

1
CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO CAU/BR. Censo dos Arquitetos e Urbanistas. Brasil, 2012. Disponível emhttp://www.caubr.gov.br/censo/resource/site/pdf/nacional/Censo-CAU-Brasil.pdf. Acessado em 25 Junho 2013.

2
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Trajetória e Estado da Arte da Formação em Engenharia e Agronomia, Volume X, Arquitetura e Urbanismo / Conselho Federal de Engenharia Arquitetura e Agronomia. Brasília, 2010. Disponível em: http://www.abea-arq.org.br

3
Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução Nº 2, de 17 de Junho de 2010. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, alterando dispositivos da Resolução CNE/CES nº6/2006.

4
Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n.4, CNE/CES de 7/11/2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 nov. 2001; Seção 1, p. 38. Disponível em:http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pedf/

Acesse também pelo portal www.vitruvius.com.br
A segunda parte sai em Setembro


Abraços

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Frases Feitas por Celebridades


Se existe algo que eu pudesse mudar na trajetória de aprendizado em arquitetura seria a dedicação às referências na Santíssima Trindade da Arquitetura Moderna: Le Corbusier, Mies Van Der Rohe e Frank Lloyd Wright, amém! Não que eu esteja decepcionado com eles, nem que deixei de admirá-los, mas depois de tentar por diversas vezes organizar os volumes em um jogo sábio, correto e magnífico sob a luz, tais atitudes me renderam alguns percalços que resultaram em alguns calos e um mínimo de malícia na solução de problemas espaciais. Até procurei praticar o menos é mais, desisti! Acabei me rendendo ao Gehry, menos é chato, mesmo!

 
Mies Van Der Rohe        Le Corbusier                Frank Lloyd Wright

 
Frank O. Gehry
Daria muito mais atenção no início da carreira à maneira de encarar a arquitetura brasileira, principalmente a vernacular, aquela feita por leigos que compreendem muito bem a realidade das pessoas comuns e das condições ambientais brasileiras. Assim, optaria mais pelos fartos beirais, pela ventilação abundante, do que pelas fachadas livres e terraços jardins. Daria mais atenção a Lúcio Costa, a João Filgueiras e a Severiano Porto que ainda não os considero sagrados, mas souberam tão bem traduzir o clima e a alma brasileira em formas e funções.

Severiano Porto         Lúcio Costa                João Filgueiras Lima
Depois de um certo tempo, e de muitas cabeçadas contra a parede, percebi junto com Lúcio Costa que a única coisa do planejamento é que as coisas nunca ocorrem como foram planejadas. As adaptações forçadas de soluções espaciais, as quais são embasadas mais na busca pela satisfação estética e nos cacoetes acadêmicos, não resultam normalmente em espaços sinceros e com identidade genuinamente nacionais. Questões do cotidiano do uso do edifício, de respeito às condições físicas locais, de técnicas e materiais construtivos e de caráter humano, sempre nos surpreendem. Depois que algumas obras de nossa autoria ficam prontas, depois que usuários abusam dos ambientes por nós idealizados, subvertem suas funções e que os materiais especificados são colocados à prova, concluo que o tempo, cronológico e meteorológico, são impiedosos conosco e com os objetos. Tais fatores demonstram nossas limitações frente à ação da natureza e nossa insuficiência na compreensão dos fatores determinantes da forma arquitetônica.

Isay Weinfeld

Segundo o Isay, arquitetura tem que causar infartos, não discordo totalmente, embora acredite que ela não seja concebida de muitos segredos. A melhor solução sempre tende para a simplicidade, portanto, leva-se muito tempo para entender que o bom e velho Oscar tinha razão: “O mais importante não é a arquitetura, mas a vida, os amigos...”

Oscar Niemeyer


terça-feira, 30 de abril de 2013

Quem define o projeto?


Certa vez, em uma conversa informal com amigos, várias questões surgiram quanto ao que os arquitetos fazem atualmente: A arquitetura produz o que as pessoas realmente precisam ou o que ela imagina o que as pessoas necessitam e depois criam mecanismos para convencê-las que aquilo é necessário? Produzimos em função dos anseios das pessoas ou do que o sistema produtivo é capaz de oferecer? Produzimos discursos filosóficos para justificar nossas propostas ou simplesmente não sabemos o que queremos?

New York skyline - Extraído de http://toptravellists.net


O fato é que estamos projetando mais “espaços gourmets” para pessoas que não sabem cozinhar do que cozinhas para atender necessidades cotidianas. Projetamos “lounges” particulares belíssimas e equipadas para pessoas que não tem tempo e ou não podem reunir os amigos em casa para não quebrar a lei do silêncio estabelecida nos condomínios. Já vi até em folhetos promocionais de venda de apartamento com um ambiente batizado de “garage band”, como se tivesse alguma graça formar uma banda e não incomodar os vizinhos. Duvido que algum movimento musical nos surpreenda a partir de um ambiente que já nasceu para reprimir.

Tais situações demonstram que estamos de fato a mercê do que o mercado pode viabilizar, de forma que, quem anda determinando usos e funções dos espaços habitacionais são empreendedores, advogados, engenheiros, marqueteiros, síndicos, e até porteiros, menos arquitetos e usuários. Acho que nunca vi uma família linda, feliz e perfeita como aquelas dos folders promocionais que as incorporadoras distribuem insistentemente nos semáforos da cidade. No entanto, estamos projetando moradias para estas famílias.
Os mecanismos de convencimento são exatamente os mesmo criados pelas empresas de bens de consumo através de campanhas de marketing para incentivar um público específico a consumir determinados produtos, úteis ou não. No caso da arquitetura, não é muito diferente. Os tais mecanismos de marketing podem estar travestidos de discursos filosóficos, de normas técnicas, de questões ideológicas e, sobretudo, da necessidade de se fazer algo, simplesmente para girar a roda da economia. É importante para o sistema produtivo massificar desejos e construir cada vez mais com menos recursos.

Há dois tipos de atitudes típicas entre os arquitetos frente a estas questões:

Uns procuram seguir a risca os mandamentos do cliente, atendem detalhadamente os programas de necessidades e propõem quase nada além do que é solicitado. Outros determinam usos, funções e novas formas de apropriação espacial de maneira autoritária e depois se justificam com discursos filosóficos fajutos e quando alguém questiona a necessidade de tal ousadia, argumentam que ninguém deseja o que não conhece e, portanto, é necessário que um profissional capacitado e antenado com as novas tendências apresente algo que desperte novos conceitos de vida, reais ou não.

Entre a passividade do primeiro e a prepotência mercadológica do segundo, descarto ambos os modos de agir e fico com o equilíbrio entre a ousadia e a sensibilidade.

Quanto às questões do primeiro parágrafo, ainda não sei respondê-las completamente, no entanto acredito que nunca teremos o controle do sistema produtivo do espaço tal como gostaríamos, pois o espaço nasce da articulação entre diversos interesses e sempre há que se fazer concessões para atingir propostas de organização espacial coerentes com a realidade. O domínio do processo de criação que tanto reivindicamos está mais ligado ao nosso talento em equilibrar as tensões entre os diversos grupos de interesse e a negociação dos nossos próprios desejos.

Érico Masiero 30 Abril 2013
Colaboração – Maurício Gomes

terça-feira, 16 de abril de 2013

“O pedreiro não me respeita!”


Entre as maiores dificuldades enfrentadas pelos profissionais envolvidos na liderança de uma obra estão os boicotes promovidos pelos funcionários. As motivações para estes conflitos são diversas, ou seja, insatisfação com salários, condições sub humanas de alojamento, higiene e alimentação no canteiro, falta de segurança ou prazos impraticáveis. Enfim, tudo aquilo que está descrito nas normas técnicas brasileiras mas que dificilmente se pratica com seriedade em obras civis.

Diante desta infeliz constatação, os gerentes de obras nem sempre conseguem conquistar a confiança dos trabalhadores e desenvolver de forma adequada e segura algum serviço, o que desencadeia uma série de conflitos. Assim, é possível afirmar que o bom funcionamento da hierarquia de um sistema produtivo é proporcional ao respeito mútuo praticado entre os parceiros e colaboradores de uma determinada organização.


 Operários, Tarsila do Amaral, 1933

As típicas figuras do gerente de obra truculento e autoritário, da arquiteta tresloucada e escandalosa ou do coordenador de projeto jovem e inseguro que caem de paraquedas nesta situação, podem ser bem sucedidas dentro de um canteiro de obras desde que, de alguma forma, inclua no seu repertório a diplomacia e o respeito aos mais primários códigos de ética que regem as relações profissionais e humanas.

A fronteira da sanidade é frequentemente ultrapassada na ânsia de se cumprir as metas de um serviço e com isso, os limites físicos e emocionais dos trabalhadores podem ser muitas vezes considerados, pela alta gestão, como as fraquezas que impedem o sistema de alcançar a máxima produtividade e assim, vencer a concorrência.

Embora a construção civil seja um dos motores da economia do país e tenha a simpatia dos governos por possuir alta e rápida empregabilidade, é um dos setores que mais usurpa os direitos trabalhistas e um dos que mais desrespeita as normas de conduta social. Fraudes em obras públicas, desrespeito pela legislação urbanística, desprezo pelas normas de segurança e saúde são comuns neste setor. Assim, fica evidente o motivo pelo qual as maiores falcatruas da política nacional, as mais indignantes ações de corrupção e os maiores picaretas estejam relacionados à construção civil, pública ou privada.

Desta forma, não somos naturalmente bem visto por pessoas que se encontram em posições sociais consideradas inferiores, principalmente por trabalhadores braçais, que consciente ou inconscientemente externam as suas indignações com as injustiças. Representamos o sistema de poder, mesmo não concordando e não fazendo parte diretamente dele.

Quando se trata de obras civis a gente se acostuma a lidar com cifras muito elevadas e dimensões gigantescas, o que pode causar uma falsa sensação de poder excessivo sobre os objetos e as pessoas. Cem mil reais podem parecer uma quantia irrisória para a construção de uma residência hoje em dia, mas é, na maioria das vezes, o recurso conquistado a duras penas por uma família, por exemplo. Geralmente este valor é proveniente de empréstimos bancários a juros estratosféricos. Mas, fazer arquitetura não é só lidar com recursos financeiros e posicionar objetos, é, sobretudo, fazer algo com e para as pessoas.

Concordo que nossa classe profissional também não tenha as melhores condições em relação aos direitos trabalhistas no Brasil. Já ouvi a frase “o pedreiro não me respeita” inúmeras vezes de diferentes perfis de profissionais, nem sempre com o mesmo sujeito. A palavra pedreiro pode ser substituída por empreiteiro, engenheiro, carpinteiro e até cliente, de forma que as relações dentro de uma obra só refletem a agressividade pela qual o sistema se alimenta para que bem ou mal, funcione.

O respeito por nós reivindicado está proporcionalmente relacionado ao nosso comprometimento no combate às injustiças de nosso país, seja em qualquer âmbito de atuação.

Érico Masiero, colaboração Maurício Gomes, 16 Abril 2013

domingo, 14 de abril de 2013

Ética e Moralismo


É muito fácil iludir um cliente e causar a sensação que ele está levando sempre vantagem. Mais fácil ainda é o profissional de arquitetura se envolver em maracutaia, principalmente no mercado de construção civil, grande ou pequena, do planejamento urbano, da fiscalização de obras que muitas vezes funcionam como ímãs de corrupção. Difícil é permanecer afastado do mundo das propinas e demais esquemas escusos.

No entanto, posso afirmar que as melhores relações profissionais são construídas baseadas simplesmente na confiança pessoal ao longo de muito tempo, e não é nada fácil. Estudei arquitetura nos anos noventa em uma escola que muitos professores afirmavam categoricamente que para ser bem sucedido era necessário ser bem relacionado socialmente, participar de muitas festas e de preferência ter nascido em uma família abastada. E ainda ouço isso com frequência. Pois é, iniciei minha carreira acreditando no fracasso, já que não preenchia nenhum desses requisitos sociais. Mas, por sorte, tive também grandes mestres que enfatizavam a necessidade de adquirir conhecimento técnico e humano, atuar com ética e respeito à sociedade e aos indivíduos.

Desta forma, não fico chocado quando me deparo com falcatruas, propinas, incompetência, politicagem, não somente em órgãos públicos, mas também em setores privados. Fico assustado mesmo quando assuntos como ética, respeito, coletividade e política soam como careta, ingênuo, puritano e até mesmo moralista em qualquer ocasião. Todos costumam concordar rapidamente para que este papo incômodo termine logo, embora poucos estejam realmente dispostos a assumir posições eticamente transparentes.

As instituições públicas ou privadas são formadas por pessoas e elas só podem nos representar se estiverem sintonizadas com determinados princípios de confiança. Não espere que o CAU ou qualquer outra instituição representativa faça algo por você se você não estiver disposto a atuar de acordo com os princípios éticos que nossa sociedade precisa estar apoiada. Portanto, posso afirmar que, se existe uma fórmula para o sucesso, certamente a confiança e o respeito aos princípios estão entre os mais importantes componentes.

Érico Masiero Outubro 2012