quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Apesar da modesta capital da Irlanda ser altamente organizada e muito hospitaleira, a cidade, a primeira vista não chega a empolgar arquitetos viajantes em busca de grandes palácios, castelos medievais e obras icônicas. Dublin não faz parte do circuito turístico mais tradicional europeu e assim pode não ser um destino tão atraente para interessados em arquitetura europeia. Dublin não chega a rivalizar com Paris, Londres, Roma e Madrid. Uma das maiores qualidades é justamente esta, não pretender rivalizar com grandes centros turísticos, mas sim, expor o que há de mais sincero e genuíno em suas entranhas. Valoriza-se, de fato a cultura local.

Sempre que surge a oportunidade de viajar a trabalho ou lazer, assim como qualquer turista, procuro fazer uma rápida pesquisa em relação ao que há de interessante para ver, principalmente em termos de arquitetura. No caso de Dublin, mesmo que alguns bons exemplares da arquitetura de Daniel Libeskind, Santiago Calatrava e Kevin Roche tenham despertado alguma empolgação para a viagem, outros aspectos me chamaram mais a atenção, dentre os quais, poucos estão ligados à arquitetura especificamente.

Centro de Convenções de Dublin, Kevin Roche
Ao caminhar pelas ruas do centro histórico e pelos pubs de Dublin é possível ouvir música folk por toda parte, algo entre a música country e o tradicional jazz norte americano, só que harmonicamente mais rica e incrementada com gaitas de fole, violões e violinos, tocadas por artistas de rua extremamente talentosos. É uma pena que experiências de viajantes tenham que ser relatadas apenas em textos e imagens de forma que os sons, os cheiros e as sensações táteis dificilmente são transmitidas por palavras. Somente escritores do naipe de Guimarães Rosa conseguem transportar leitores para outros mundos e transmitir sensações genuínas de um determinado lugar. 


Para aqueles interessandos em chafurdar na vida noturna de Dublin, uma visita ao Temple Bar e sua região é obrigatória. Recebe o título de pub mais antigo do mundo e passar por lá e não entrar é como ir ao Rio e não subir no Corcovado.

The Temple Bar
A população guarda características que podem ser definidas como algo entre a simpatia irreverente brasileira misturada com a educação e ao refinado bom humor britânico. O mais impressionante mesmo é a inventividade popular, a riqueza do seu folclore e as histórias fantásticas presentes no cotidiano. Chego a imaginar que a alta qualidade da literatura e da música irlandesa sejam consequências de um ambiente cultural tão rico. U2 só poderia ter saído daqui!

Duendes e Leprechauns povoam o imaginário popular irlandês e o biótipo baixinho, ruivo, barbudo e gordinho é muito comum por aqui. De acordo com a tradição, os Leprechauns passam os dias elaborando brincadeiras e piadas, confeccionando sapatos e guardando suas moedas em um pote de ouro, o qual mantém escondido no final de um arco íris. Se algum Leprechaum for capturado por um humano, esta pequena criatura lhe concederá três desejos em troca da liberdade, e as estórias a partir daí são sempre fabulosas e inesperadas assim como manda a tradição irlandesa.


O Museu do Leprechaum, apesar de ser chamado de museu, é mais do que isso. É um centro de diversão interativa com diversas instalações que transportam os visitantes, na maioria crianças, para o mundo folclórico dos Duendes. Você pode, por exemplo, participar de uma estória fantástica e, quem sabe, encontrar um pote de ouro no final de um arco íris.

George Bernard Shaw, Samuel Becket, James Joyce e Oscar Wilde estão entre os diversos escritores da região que revolucionaram a literatura inglesa, dentre os quais, destaca-se Beckett, vencedor de um dos quatro prêmios Nobel de literatura concedidos a irlandeses e um dos principais autores do teatro do absurdo. Tais feitos estão reunidos e registrados em 300 anos de tradição literária no Museu dos Escritores, o qual abriga uma coleção de valor incalculável de cartas, retratos, manuscritos originais e objetos pessoais. Ao caminhar pela Merrion Square, principal parque no centro da cidade, é possível visitar a estátua de Oscar Wilde em uma pose descontraída e sorriso irreverente. A coloração do traje e do rosto é dada pela própria composição das pedras em tons de verde, rosa, cinza e branco. O parque fica localizado bem próximo a um conjunto arquitetônico em estilo Georgiano, o qual o escritor habitou uma de suas unidades até o início do século passado.
Oscar Wilde
A Ponte Samuel Becket, desenhada por Santiago Calatrava e o Grand Canal Theater, obra assinada por Daniel Libeskind, inaugurada em 2010, se destacam entre os inúmeros projetos desenvolvidos com a intenção de revitalizar a antiga área portuária do Canal do Rio Liffey. A dramaticidade e a ousadia das linhas de ambos os projetos dialogam com vivacidade típica da atmosfera urbana, a qual pode se expressar como profundamente melancólica ou como alegórica dependendo do ponto de vista, do clima ou do estado emocional do expectador.

Ponte Samuel Beckett – Santiago Calatrava
Vista do Rio Liffey

Grand Canal Theater – Daniel Libeskind


Ponte sobre o Rio Liffey

Uma das experiências mais interessantes que Dublin pode oferecer talvez seja no museu, fábrica e loja da cervejaria Guinness. O tour é indicado tanto para os apreciadores de uma boa cerveja quanto para abstêmios, impossível se decepcionar! O processo de fabricação da famosa cerveja escura é apresentado de forma didática, divertida e recheado de informações históricas, de forma que é possível tomar contato desde a matéria prima em seu estado bruto e até bebericar uns goles das diferente especialidades durante a visita. Tudo isso em um edifício industrial histórico especialmente remodelado para abrigar uma estrutura com diversos bares, restaurantes, museus e lojas de bugigangas em geral. Ao final do percurso o visitante saboreia uma ou mais cervejas em um espetacular pub no topo da fábrica, o qual oferece um belíssimo visual de 360 graus da cidade. 

Fachada principal da Fábrica
Conhecendo o processo de fabricação

Vista da Cidade

Entrada para Museu

Hora de voltar e como de costume estou atrasado e sem tempo de almoçar na cidade. Saí do alojamento da universidade com a plena consciência que eu seria assaltado com os preços praticados nos restaurantes dos aeroportos em geral. Para a minha surpresa, um anúncio publicitário que sonho há anos encontrar em um aeroporto no Brasil, dizia o seguinte: “Promessa. Nossos preços nunca serão batidos pelos preços do centro da cidade, caso contrário, devolveremos o valor em dobro.”

Anúncio no Aeroporto de Dublin – Agosto 2012

Uma viagem a Dublin pode não lhe proporcionar experiências arquitetônicas comparáveis a uma aos grandes centros europeus, mas certamente você voltará com grandes histórias na bagagem e, talvez até passe a acreditar em Duendes. São lugares como este que me fazem questionar a excessiva importância que damos à arquitetura como matéria. A cidade certamente oferece o que há de mais espetacular em termos de Patrimônio Imaterial.

Museu dos Escritores 

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