sexta-feira, 8 de março de 2013

Tudo começou quando fomos convidados a desenvolver um projeto de um conjunto residencial de interesse social. Aparentemente simples do ponto de vista técnico e do programa de necessidade proposto. Nada parecia muito diferente do que já havíamos feito, embora, os acontecimentos que envolvem a prática da arquitetura sempre surpreendem. Principalmente, pela possibilidade de estar em contato diretamente com o melhor e também com o pior de cada participante envolvido. 

Fizemos a primeira versão do projeto da melhor maneira possível, e com o maior comprometimento possível em relação aos mais tradicionais tratados Vitruvianos de arquitetura, juro que levamos ao pé da letra o Firmitas, a Utilitas e a Venustas. Os blocos de apartamentos foram cuidadosamente dispostos no terreno para possibilitar a criação de uma bela área externa de integração com jardins e áreas de convivência, nada que onerasse a obra no geral. Inclusive a redução dos volumes de cortes e aterros até minimizariam a altura das rampas e consequentemente os custos. 

Nós, e os diretores da construtora, na primeira reunião, até ficamos animados com um projeto que reunia simplicidade, baixo custo e relativa beleza. Fomos para casa com a satisfação do dever cumprido. Só não contávamos com um detalhe. O investidor ainda não tinha avaliado a proposta.

Na segunda reunião, um sorriso dúbio se instalou na expressão do gerente do banco. A questão era: O projeto estava excessivamente bonito e, por isso, não era bom o suficiente, apesar de atender a legislação, gerar o lucro esperado para o empreendedor que inclusive arca com a responsabilidade legal sobre a obra.

Nossa ingenuidade estava na ilusão que o valor final de comercialização das unidades habitacionais seria regido pela qualidade do projeto, devido aos materiais utilizados, pela tecnologia inovadora ou pelo amplo conhecimento dos encarregados pela obra. O investidor sabe muito bem que o valor do imóvel é regido somente pelo desejo que desperta no comprador, simples assim! Portanto, com uma bela implantação e uma tecnologia construtiva eficiente, as unidades habitacionais despertariam a cobiça de compradores que estariam dispostos a investir acima do valor de mercado para um produto similar na cidade. Ou seja, o valor de comercialização de cada unidade certamente estaria acima do limite determinado pelo plano de financiamento disponibilizado pelo banco. O simples fato de o empreendimento atender minimamente as recomendações técnicas dos órgãos responsáveis, como tamanho dos ambientes, número de banheiros, acessibilidade e áreas verdes, já o caracterizaria como de qualidade superior no mercado. Esta é a lei da oferta e procura. Desta forma, o empreendimento deixaria de atender o público de baixa renda, ao qual estava inicialmente destinado.

Este episódio, apesar de corriqueiro no âmbito do mercado imobiliário, nos diz que habitação é problema de política econômica e social e não técnico. Não adianta se iludir com as inovações tecnológicas da construção civil ou imaginar que o ofício da arquitetura pode oferecer produtos diferenciados e de qualidade para qualquer pessoa. Pior ainda é pensar que o desenvolvimento de uma tecnologia construtiva inovadora mais eficiente, com menor desperdício e maior rapidez abre a possibilidade de tornar habitações mais acessíveis aos menos favorecidos economicamente.

Estamos inseridos até o pescoço em um sistema de produção e consumo que nem sempre temos a noção de suas incoerências. Enquanto for permitido que bancos explorem livremente o lucro em empreendimentos imobiliários para o setor de baixa renda, as exigências por qualidade espacial dos empreendimentos permanecerá baixa. Principalmente porque bancos, sejam públicos ou privados, não entendem nada de habitação e lucro para eles, nunca é o bastante. 

O problema do déficit habitacional do Brasil passa por inúmeras questões essenciais, mas certamente as questões técnicas estão entre as menos importantes. Acho que Habitação de Interesse Social deveria se chamar Habitação de Interesse para os Bancos, HIB ao invés de HIS.

Érico Masiero 02 Março 2013
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2 comentários:

  1. Se essa ganância pelo lucro máximo fosse restrita apenas ao setor da construção civil (onde poderíamos incluir estádios de futebol, pontes, barragens, prédios públicos, etc.) eu te garanto que isso seria um problema menor.

    A encrenca é que TODOS os preços de venda são determinados pelo o que o mercado está disposto a pagar. Ou seja, o problema que você relatou para o tal conjunto residencial se repete, em maior ou menor grau, para TUDO que é comercializável: veículos, eletrodomésticos, eletrônicos, vestuários, serviços e alimentos que compramos.

    Quem determina o preço de venda é a massa consumidora, basta ver o preço do novo Fusca (em março de 2013) nos EUA (US$ 20.000) e no Brasil (R$ 78.000). Você pode até não estar disposto a pagar este absurdo aqui, mas tem um monte de gente que está e por isso a VW Brasil mantém o preço lá na Lua - maximizando o lucro dela aqui. Ah! Não acredite no conto de fadas que diz que a culpa são dos impostos, do custo Brasil e da ganância dos empresários. Estes fatores impactam, mas não são os principais.

    A maior culpa é nossa, consumidores brasileiros, que estamos dispostos a pagar mais e levar menos.

    Maurício Gomes 07 Abril 2013

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  2. É isso aí, Maurício!
    A necessidade do usuário e a qualidade do produto são fatores secundários nas relações de produção e consumo de bens materiais.
    Obrigado pela contribuição.
    Abraço
    Érico

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