domingo, 10 de março de 2013

Não sei exatamente como e porque surgiu o hábito de passar madrugadas em claro para fazer os projetos das disciplinas do curso de arquitetura, mas desconfio.


Estudantes, profissionais e até professores de arquitetura expressam frequentemente sentimentos de lamento e orgulho ao mesmo tempo quando entregam uma tarefa de última hora após árduas madrugadas em claro. É como se toda energia produtiva precisasse se concentrar em apenas algumas horas do dia.

Posso dizer com muito orgulho justamente o contrário. Nunca perdi uma madrugada em cima de algum trabalho.  Costumava passar longas madrugadas em claro me divertindo com meus amigos ou com minha namorada. Mais recentemente, com meu filho, devido a alguma enfermidade ou após pesadelos aterrorizantes, comuns na idade dele.

Certa vez uma arquiteta, funcionária de uma grande incorporadora me confessou que achava um absurdo um profissional fazer uma hora de almoço durante o dia. Concordei prontamente, mas só fui me dar conta do absurdo quando eu disse que se tratava de pouco tempo e ela achava tempo demais. Ela até se orgulhava de me enviar mensagens de trabalho às três da manhã, ser considerada workaholic pelos colegas e de atingir metas desumanas impostas pelo patrão. Ela só não sabia que sofria de assédio moral, prática, aliás, muito comum nos escritórios de arquitetura. Raramente são denunciadas.

Até já ouvi dizer, inclusive de professores de arquitetura que, o uso de álcool ou drogas pode potencializar seu lado criativo e aumentar sua produtividade. O ato de projetar é uma tarefa essencialmente intelectual que exige muita atenção e total concentração, portanto, qualquer coisa que atrapalhe o processo de desenvolvimento como, sono, fome, sede, excitação excessiva ou desequilíbrio emocional deve ser combatido. Qualquer coisa que altere seu estado psíquico natural pode resultar em trabalhos imprecisos e pouco sinceros.

Quando precisamos recorrer a tempo extra para finalizar algum trabalho é sinal que algo foi mal planejado ou não nos preparamos devidamente para desempenhar tal tarefa. Trabalho não é imprevisto e tempo livre para o descanso é direito de qualquer trabalhador. Mas isto depende de nossa atitude perante as forças do mercado.

A questão das madrugadas em claro é permeada pela nossa própria dificuldade de encarar o trabalho de maneira saudável. Direitos trabalhistas como, férias, fundo de garantia, plano de saúde, décimo terceiro, estão ainda distantes de muitas empresas de arquitetura. Muitos escritórios declaram os funcionários como “associados”, no entanto não repartem os lucros nem a autoria dos trabalhos desenvolvidos. Esta precariedade do mercado de trabalho ocorre pelo fato de não darmos a devida importância na formação do arquiteto à disciplina, à organização, a legislação e ao planejamento, apesar destes itens fazerem parte da grade curricular.

O descompasso entre as exigências profissionais e os direitos reside essencialmente na nossa falta comprometimento com qualidade de vida que tanto apregoamos.

Érico Masiero, Fevereiro 2013

1 comentários:

  1. Será que os arquitetos, de tão desunidos, que chegam a discutir sem base e, assim, sem levar a termo, a questão - que já virou querela - da "Reserva Técnica", conseguirão sequer discutir seriamente esta questão?
    E se empurrarem isso para o CAU, vai adiantar alguma coisa?
    Novamente, cada um por si?
    Ética - como sempre, uma das palavras mais repetidas e menos praticadas!
    AC

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